domingo, outubro 22, 2006


[...]
" Para mim o que pode haver de sensível no amor é uma saia branca a sacudir o ar, um laço de cetim que mãos esguias enastram, uma cintura que se verga, uma madeixa perdida que o vento desfez, uma canção ciciada em lábios de ouro e de vinte anos, a flor que a boca de uma mulher trincou...
Não, nem sequer é a formosura que me impressiona. É outra coisa mais vaga - imponderável, translúcida : a gentileza. Sim, e como eu a vou descobrir em tudo, em tudo - a gentileza... Daí uma ânsia estonteada, uma ânsia sexual de possuir vozes, gestos, sorrisos, a romãs e cores!..."
" Lume doido! Lume doido!... Devastação! Devastação!..."
Mas logo serenando:
- A boa gente que aí vai meu querido amigo, nunca teve destas complicações. Vive. Nem pensa... Só eu não deixo de penar... O meu mundo interior ampliou-se - volveu-se infinito, e hora a hora se excede! É horrível. Ah Lúcio! Tenho medo de soçobrar, de me extinguir no meu mundo interior, de desaparecer na vida, perdido nele...
"... E aí tem assunto para uma das suas novelas: um homem que à força de se concentrar, desaparecesse da vida - imigrado no seu mundo interior...
" Não lhe digo eu? A maldita literatura..."
[...]

Mário de Sá- Carneiro

in "A Confissão de Lúcio"
edição Alma Azul

1 comentário:

Fragmentos Betty Martins disse...

Olá Mariagomes

M.de Sá Carneiro um " caminho" sempre a descobrir que me fascina.

"Fios de ouro puxam por mim
A soerguer-me na poeira -
Cada um para o seu fim,
Cada um para o seu norte...
.................................................
- Ai que saudades da morte...


Quero dormir... ancorar...
.................................................
Arranquem-me esta grandeza!
- Pra que me sonha a beleza,
Se a não posso transmigrar"?...

(M.de Sá C.)

Aquela vontade de "perder" para "ganhar"

Beijinhos

BomFsemana

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Podes entrar ; tenho as mãos para dizer o disperso canto das águas. Os meus olhos, alagados pelo grito das árvores, são lúcidos ao início do sol. Com o amor das coisas, rejubilo e lanço os braços a um rodopio doce e futuro, a uma tempestade humana. Tudo o que eu espero é sentir o elo da criação que se move, entre mim e ti, e a claridade. ____________mariagomes
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