quinta-feira, março 31, 2005

José António Gonçalves (N.13.06.54 F.29.03.05)




" ...
dêem-me o vosso arado. deixai-me cultivar vossas terras
áridas, vossos desertos secos. deixai-me soçobrar
nos vossos barcos náufragos. deixai-me criar epitáfios
fogueiras, lendas. deixai-me com os vossos filhos vagando pelas
montanhas, pela lã das ovelhas. pelas
ventanias. deixai-me construir um ruído mudo de silêncio
uma voz calada, mais vibrante que esta branda fala
para dizer-vos um poema sou poeta nasci rosa
no orvalho transparente das manhãs."

José António Gonçalves
(in «Vinte Textos Para Falar de Mim», Col. Cadernos Ilha, Nº. 1, 1988)
PORTO SANTO, VERÃO DE 1973

com um pássaro no coração




olha não é possível que regressem as buganvílias da vida
há o nada a manhã terrível a treva
que afoga a paisagem
que nos oferecem os comboios
de um abismo final ou
uma faca de palavras numa entrega

olha tremem difíceis as feições
de um território jazem janelas a cheirar a sol
e eu estou aqui com um pássaro no coração em ferida.

mariagomes
31março.2005, 17h


e a expressão



onde a rosa? onde o cravo? e a expressão
apensa de um jardim?
oiço um rumor a água tensa
de um trago de amor animal e delicado
oiço um recado
sereníssima
vou buscar a noite e tranco-a dentro de mim.


mariagomes
março.2005

segunda-feira, março 28, 2005




"Não há pergunta sobre o para quê de uma flor que lhe tire o encantamento. O sentido de ser é o ser. "

Vergílio Ferreira (1916-1997)

domingo, março 27, 2005

nada de novo




lamento, amigo, não trazer nada de novo.
nem a procura é intensa
nem o encontro de um nome nos diz seja o que for.
as mesas permanecem
à espera dos retratos da família.

e os livros guardam toda a poesia.

mariagomes
27março.2005

sexta-feira, março 25, 2005

as fogueiras de Pavese




estão prontas as fogueiras de Pavese
vertem-se os sinais
as chamas
que as portas atravessam
e a voz estática nas nuvens
clama
está pronto o livre exílio
do mar
este navio onde morri e vivo.


mariagomes
março.2005




"Algo sobreviveu no meio das ruínas. Algo acessível e próximo: a linguagem. Contudo, a própria linguagem teve que se erguer por entre as suas próprias ruínas, salvar os espaços em que se quedou mudo o horror, por entre as mil trevas que mortificam o discurso. Nesta língua, o alemão, procurei escrever poesia. Apenas para falar, orientar-me, indagar, imaginar a realidade. Deste modo a poesia encontra-se sempre no caminho para a língua originária."

Paul Celan, ao receber o Prémio Büchner, em 1962
excerto de uma crónica do Jornal " O Público", 27jan.2oo5

quinta-feira, março 24, 2005

o olhar


Afghan Girl, Pakistan, 1985, by Steve McCurry




talvez não seja o olhar que prende
é a pele que sai da lua lavada

a parede que coincide


num dedo
encosta a noite à palavra.


mariagomes
março.2005

quarta-feira, março 23, 2005

"Um escritor é uma pessoa para quem escrever é mais difícil do que para as outras pessoas"

Thomas Mann

N. 06/06/1875, Lübeck, Alemanha, F.12/08/1955, Zürich, Suíça

sexta-feira, março 18, 2005

ao solo ao luar



voltei a ouvir a música descendo na delicadeza funda
de uma chama
voltei ao lugar do sono e do incêndio
ao solo ao luar magro dos cães
voltei e vi a pátria escorrendo na esmola tranquila dos sóis.


mariagomes
18março.2005

quinta-feira, março 17, 2005

A Função Social da Poesia por T. S. Eliot ...parte 3ª




"Observamos que a poesia distingue-se de toda outra arte por ter um valor pelo povo que é da raça e língua do poeta, valor que não pode ter por nenhum outro. É verdade que até a música e a pintura possuem um caráter local e racial: mas certamente as dificuldades de apreciação nessas artes, para um estrangeiro, são muito menores. É verdade por outro lado que textos em prosa têm um significado em sua língua original que se perde na tradução; mas todos sentimos que perdemos muito menos ao ler um romance em tradução que ao ler um poema; e na tradução de alguns tipos de trabalho científico a perda é virtualmente nula. Que a poesia é muito mais local que a prosa pode-se ver na história das línguas europeias. Ao longo da Idade Média e até há poucas centenas de anos, o latim permanecia a língua para filosofia, teologia e ciência. O impulso rumo ao uso literário das línguas dos povos começou com a poesia. E isso parece perfeitamente natural quando percebemos que a poesia, primariamente, diz respeito à expressão do sentimento e da emoção; e que o sentimento e a emoção são particulares, enquanto o pensamento é geral. É mais fácil pensar numa língua estrangeira do que nela sentir. Portanto, nenhuma arte é mais obstinadamente nacional que a poesia. Um povo pode ter sua língua detraída, suprimida, e outra língua compelida sobre as escolas; mas a menos que se lhe ensine a sentir numa nova língua, a antiga não foi erradicada e reaparecerá na poesia, que é o veículo do sentimento. Acabo de dizer "sentir numa nova língua", e quero dizer algo mais que meramente "exprimir seus sentimentos numa nova língua". Um pensamento expresso numa língua diferente pode ser praticamente o mesmo pensamento, mas um sentimento ou uma emoção expressa numa língua diferente não é o mesmo sentimento ou emoção. Uma das razões para aprendermos bem pelo menos uma língua estrangeira é que adquirimos um tipo de personalidade suplementar; uma das razões para não adquirirmos uma nova língua em lugar da nossa é que a maioria de nós não quer tornar-se uma pessoa diferente. Uma língua superior raramente pode ser exterminada exceto pelo extermínio das pessoas que a falam. Quando uma língua suplanta outra é muitas vezes porque possui vantagens que a elevam e que oferecem não uma mera diferença, mas uma gama mais ampla e mais refinada que a língua primitiva não só para pensar, mas para sentir.

Emoção e sentimento são então mais bem expressos na língua comum das pessoas isto é, na língua comum a todas as classes: a estrutura, o ritmo,a sonoridade, o estilo de uma língua exprimem a personalidade do povo que a fala. Quando digo que é a poesia, em vez da prosa, que se preocupa com a expressão da emoção e do sentimento, não quero dizer que a poesia não precisa possuir conteúdo intelectual ou significado, ou que a grande poesia não contém mais desse significado que a poesia inferior. Porém, desenvolver esta investigação me tiraria de meu objetivo imediato. Considerarei de acordo que as pessoas encontram a expressão mais consciente de suas mais profundas emoções na poesia de sua própria língua, em vez de em qualquer outra arte ou na poesia de outras línguas. Isso não significa, é claro, que a verdadeira poesia está limitada a sentimentos que todos podem reconhecer e compreender; não devemos limitar a poesia à poesia popular. Basta que, num povo homogêneo, os sentimentos dos mais refinados e complexos indivíduos tenham algo em comum com os sentimentos dos mais grosseiros e simples, algo que não têm em comum com os de pessoas de seu mesmo nível que falam outra língua. E, quando uma civilização é saudável, o grande poeta terá algo a dizer a seus compatriotas em todos os níveis de educação.

Podemos dizer que o dever do poeta, como poeta, é apenas indiretamente para com seu povo; seu dever direto é para com sua língua: primeiro, preservar e, segundo, ampliar e aperfeiçoar. Ao exprimir o que outras pessoas sentem,ele também está mudando o sentimento, por torná-lo mais consciente; está fazendo-as mais sabedoras do que já sentem, e portanto ensinando-as algo sobre si mesmas. Ele, no entanto, não é apenas uma pessoa mais conscienteque as demais; é, além disso, individualmente distinto das outras pessoas,e também de outros poetas, e pode fazer seus leitores conscientemente compartilhar novos sentimentos que até então não haviam vivenciado. Essa é a diferença entre o escritor que é meramente excêntrico ou louco e o autêntico poeta. Aquele pode ter sentimentos que são únicos mas não podem ser compartilhados, e que são, portanto, inúteis; este descobre novas variações de sensibilidade que podem ser apropriadas por outrem. E, ao exprimi-las, ele está desenvolvendo e enriquecendo a língua que fala.

Já disse quase o suficiente sobre as diferenças impalpáveis do sentir entre um povo e outro, diferenças que são confirmadas, e ampliadas, por suas diferentes línguas. Mas as pessoas não apenas vivenciam o mundo diferentemente em diferentes lugares; vivenciam-no diferentemente em tempos diferentes. De fato, nossa sensibilidade está constantemente mudando, como muda o mundo em nosso redor: o nosso não é o mesmo que o dos chineses ou dos hindus, mas também não é o mesmo que o dos nossos ancestrais, passadas várias centenas de anos. Não é o mesmo que o de nossos pais; e, finalmente, nós próprios não somos bem as mesmas pessoas que éramos há um ano. Isto é óbvio; mas o que não é tão óbvio é que esta é a razão por que não podemos nos permitir parar de escrever poesia. A maioria das pessoas educadas sente certo orgulho dos grandes autores de sua língua embora possa nunca lê-los, exatamente como é orgulhosa de qualquer outro mérito de seu país: uns poucos autores até se tornam célebres o bastante para serem mencionados de vez em quando em discursos políticos. Porém, a maior parte das pessoas não se dá conta de que isso não é suficiente; de que a menos que elas continuem a produzir grandes autores, e especialmente grandes poetas, sua língua se deteriorará, sua cultura se deteriorará e talvez seja absorvida por uma mais forte.

Um ponto, é claro, é que se não temos literatura viva nos tornaremos mais e mais alienados da literatura do passado; a não ser que mantenhamos uma continuidade, nossa literatura do passado se tornará mais e mais remota até que nos esteja tão estranha quanto a literatura de um povo estrangeiro. Porque nossa língua continua mudando; nosso modo de vida muda de todas as maneiras sob a pressão de mudanças materiais em nosso meio ambiente; e a não ser que tenhamos aqueles poucos homens que combinem uma excepcional sensibilidade com um poder excepcional sobre as palavras, nossa própria habilidade não apenas de exprimir, mas até de sentir mesmo as mais grosseiras emoções, degenerará."

( continua...)

T. S. Eliot, 1943
Ensaio retirado de seu livro On Poetry and Poets, London,
Faber and and Faber, 1971.
Tradução de Bruno I. Mori

quarta-feira, março 16, 2005

no amor e no medo




no amor e no medo as árvores acendem a luz
os remos
a única raiz que nos despe os braços
todos os recados se traçam
inflamam aragens a fundo

não temos mais do que estas margens
para cerzir as cinzas volúveis do mundo

não pedimos mais do que os breves espaços
que se abrem
miraculosamente
entre a alegria e as lágrimas.


mariagomes
2005

vestígios


vê como fremem os poentes
e de outrora nos chegam definidas
as fronteiras.
entrego-me à ternura que explora os abismos
inquieta quero a torre mais alta
de um eclipse no meu âmago. quero amar

a pele as palavras uns vestígios.

mariagomes
março,2005

segunda-feira, março 14, 2005

Rui Mendes e Álvaro de Portugal


" Sem título" - Álvaro de Portugal



"Podes entrar, mas não feches a luz, nem as portadas das janelas.
Se o fizesses, eu morreria por aqui, debaixo do abismo desta noite contínua, onde possuo o esquecimento dos meus dias num livro fechado, como o limbo de uma bela adormecida.
Ouve: só tenho esta luz por companhia, só esta luz na sua centrífuga piedade é quem guarda o ermo dos meus soturnos pensamentos.
Senta-te aí, mas de forma que te não veja!
Sim, também é o desejo de não ter sede de nada, ou de ninguém, dentro de mim, que faz com que eu chegue a pontos, por vezes, de não conseguir fechar os olhos, ou abrir os dedos das mãos, com receio que a luz de mim se arrependa, e parta para outro lugar, sempiterno, e me venha a deixar órfã de si, flagelada.
Sim, eu sei em que estás a pensar.
É verdade, sustento-me das imagens fugazes, despojos de anjos e demónios, que se me plasmam fixamente nos olhos, lívidos assombros girando velozmente na retina, e isso deixa-me prostrada, envenena-me, até ao árctico fogo das lágrimas.
E é por isso, é bem por isso, que os meus olhos, estás a ouvir-me, estão cheios de sombras, pesados das sombras que atravessam o infinito da clausura dos espelhos que, por todo o lado, vagueiam por esta casa minguante, despojada, sem purpurinas nem grinaldas, pelas escadas e pelos corredores.
Pelas minhas escadas e corredores, quando a febre do cansaço se apodera do labirinto do meu corpo, e começa a cortar-me o sangue nas veias, e eu procuro arrastar-me pelo chão para, respirando melhor, me afastar da minha morte.
É assim. Vou guardando, no regaço da alma, estas paredes massacradas pela viuvez dos retratos, desde a infância dos meus sentidos, sempre a idear que ainda deve ser possível haver jardins frondosos, plantados no alto mar, e crianças lá dentro, brincando, na insónia vibrante dos ventos e das marés.
Custa a acreditar, mas é bem verdade: tens razão – alimento-me das mortificadas trevas do sonho!
Escusas de me olhar de maneira tão assassina, eu sei que estou nua.
Estou nua como uma pedra ou uma árvore peregrina, porque sinto, tumultuosa, a dor que regressa à solidão.
Ouço em ti, uma insodável e saudosa canção de embalar!

Rui Mendes
Janeiro, 2005








sexta-feira, março 11, 2005

terça-feira, março 08, 2005

de van gogh



creio que nunca te falei de maio de um país
imaginado
dos girassóis de van gogh

eu existi nos braços nus
das janelas
entre o pólen do amanhecer e o passado
.



mariagomes
março.2005

HONORÉ DAUMIER ( 1808 - 1879 )



"Famoso por suas litografias, Daumier não se considerava um pintor. Republicano, ele encontrou na defesa de seus ideais liberais o tema de seus desenhos. Grande caricaturista, satirizava a política, a corrupção dos ministros e deputados da França após a restauração da monarquia de Luis Felipe. Faz litografias para a Imprensa e com os seus trabalhos denuncia o autoritarismo, a hipocrisia, a violência e a inquietude do período em que viveu.

Uma observação de um amigo sobre Daumier:
...Passando por um bairro operário de Paris, o artista deteve-se um instante, apertou o braço do outro e sussurrou, com voz emocionada: 'Nós, nós ainda temos a arte para nos consolar. Mas, e eles? O que é que eles têm?' Logo depois, despediu-se em silêncio e subiu, triste, as ruelas que levavam a seu estúdio. "


Gênios da Pintura, Daumier, Abril Cultural.
1999, Colégio Rainha da Paz, projectos educação artística

Ernst Cassirer , Alemanha, (1874-1945)



"A poesia é uma das formas em que um homem pode julgar-se a si e à sua vida. É um autoconhecimento e autocrítica."

Ernst Cassirer

sábado, março 05, 2005

por detrás do espelho



só o vento sopra por detrás do espelho o trevo
subindo rubro sobre a folha
no ardor de um beijo. perdoa-me.

vejo o coração das magnólias atravesso
uma espada amargurada num suicídio de silêncio.
nas minhas mãos
o deserto tímido intimo surge do tempo
ante a glória de vermos o sol
morrendo no abraço.
dilacero os dedos

digo adeus à cúmplice ventura de florir.
perdoa-me. ser poeta é ter a carne
na cicatriz da imagem. sentir os olhos a escorrer
na boca. morrer em cada página.


mariagomes
março.2005


N.1916, Brasil, Manoel de Barros


"No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos-
O verbo tem que pegar delírio.
As coisas não querem mais ser vistas por pessoas
razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul-
Que nem uma criança que você olha de ave."


(..............)


"Minha relação com as palavras é orgástica. Escrevo porque preciso ter relações com elas para viver em paz. Depois que uso uma palavra nova, ela me beija. Quer dizer que gostou de mim. Eu sou de bem com as palavras que uso por que elas me são"


Manoel de Barros

quinta-feira, março 03, 2005

os cisnes


impossível alcançar o céu.
os versos escrevem-me na languidez das fontes.

ontem os meus passos calavam as falésias
vertiam-se abobadas de sangue
pela fissura das planícies.
devo ao sol esta vontade de guardar os cisnes.


mariagomes
3,março, 2005

quarta-feira, março 02, 2005


FORREST MOSES

post scriptum




a tristeza na tarde principia
vai pela caleira sombria revolver
a memória dos anjos
regressamos à abundância rubra
das máscaras
que a ternura impõe.
o cabelo de um silêncio loiro
afasta-se
nós temos palavras em maio

para a distância órfã dos pássaros.



p.s - " não há silêncio que não se acabe
quando chegar o momento, espera-me"


pablo neruda


mariagomes


A Função Social da Poesia por T. S. Eliot ... parte 2ª




...

"Quanto à poesia dramática, há uma função social de um tipo que lhe é agora peculiar. Pois enquanto a maior parte da poesia atual se escreve para ser lida a sós, ou em voz alta em companhia de poucos, o verso dramático em si tem como função produzir uma impressão imediata e coletiva sobre um grande número de pessoas reunidas para assistir a um episódio imaginário representado num palco. A poesia dramática é diferente de qualquer outra, mas, como suas leis específicas são as do drama, sua função está mesclada com a função do drama em geral, e não estou aqui interessado nas funções sociais específicas do drama.

Quanto à função específica da poesia filosófica, isso envolveria uma análise e um relato histórico de certa extensão. Acho que mencionei tipos de poesia o suficiente para deixar claro que a função específica de cada uma está relacionada a alguma outra função: da poesia dramática com o drama, da poesia didática de informação com a função de seu tema, da poesia didática de filosofia, religião, política ou moral com a função de cada um desses assuntos. Podemos considerar a função de qualquer um desses tipos e ainda assim deixar intocada a questão da função da poesia. Pois tudo isso pode ser tratado em prosa.

Mas antes de prosseguir, quero afastar uma objeção que pode ser levantada. As pessoas às vezes desconfiam da poesia que possui um propósito particular: poesia na qual o poeta está advogando opiniões sociais, morais, políticas ou religiosas. E estão muito mais inclinadas a dizer que ela não é poesia quando não gostam das opiniões particulares; do mesmo modo que outras pessoas muitas vezes pensam que algo é verdadeira poesia porque por acaso exprime um ponto de vista que apreciam. Devo dizer que esta questão se um poeta está usando sua poesia para advogar ou atacar um comportamento social não importa. Versos ruins podem ficar transitoriamente em voga quando o poeta reflete uma atitude popular do momento; mas a real poesia sobrevive não só a uma mudança de opinião popular, mas à completa extinção do interesse pelas questões com as quais o poeta estava tão apaixonadamente preocupado. O poema de Lucrécio persiste um grande poema, embora suas noções de física e astronomia estejam desacreditadas; os de Dryden, embora as disputas políticas do século XVII não mais nos interessem; exatamente como um grande poema do passado ainda pode dar grande prazer, embora seu tema seja algum que devamos hoje tratar em prosa.

Agora, se devemos encontrar a essencial função social da poesia, temos de olhar antes para suas mais óbvias funções, aquelas que deve desempenhar se é que deve desempenhar alguma. Penso que a primeira de que podemos ter certeza é a de que a poesia deve proporcionar prazer. Se você perguntar que tipo de prazer, só posso então responder que é o tipo de prazer que a poesia proporciona: simplesmente porque qualquer outra resposta nos levaria a divagações sobre estética e a questão geral da natureza da arte.

Suponho que se concordará que todo bom poeta, seja ele um grande poeta ou não, tem algo a dar-nos além de prazer: pois se fosse apenas prazer, o prazer mesmo não poderia ser do tipo mais elevado. Além de qualquer intenção específica que possa ter a poesia, tais como as que já exemplifiquei em seus vários tipos, há sempre a comunicação de alguma nova experiência, ou uma inédita compreensão do familiar, ou a expressão de algo que vivenciamos mas para o qual não temos palavras, o que engrandece nossa consciência ou refina nossa sensibilidade. Mas não é com tal benefício individual dado pela poesia, não mais que com a qualidade do prazer individual, que este ensaio está preocupado. Creio que todos entendemos ambos o tipo de prazer que a poesia pode proporcionar e o tipo de diferença, além do prazer, que ela faz às nossas vidas. Sem produzir esses dois efeitos, ela simplesmente não é poesia. Podemos admitir isso, mas ao mesmo tempo não notar algo que ela faz por nós coletivamente, como sociedade. E digo isso em seu sentido mais amplo. Pois julgo importante que todo povo deva ter sua poesia própria, não simplesmente para aqueles que apreciam poesia, essas pessoas poderiam sempre aprender outra língua e apreciar sua poesia, mas porque isso realmente faz diferença à sociedade como um todo, e isto vale para as que não gostam de poesia. Incluo até aqueles que não sabem os nomes de seus próprios poetas nacionais. Esse é o real assunto deste ensaio. "

...

( continua...)

Ensaio retirado de seu livro On Poetry and Poets, London, Faber and Faber, 1971.
Tradução de Bruno I. Mori



"Os verdadeiros livros devem ser filhos não da luz do dia e da conversa, mas da obscuridade e do silêncio."

(..............)

"A leitura é uma amizade. "


MARCEL PROUST
França. ( 1971-1922)


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Podes entrar ; tenho as mãos para dizer o disperso canto das águas. Os meus olhos, alagados pelo grito das árvores, são lúcidos ao início do sol. Com o amor das coisas, rejubilo e lanço os braços a um rodopio doce e futuro, a uma tempestade humana. Tudo o que eu espero é sentir o elo da criação que se move, entre mim e ti, e a claridade. ____________mariagomes
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