sexta-feira, dezembro 15, 2006


"variações sobre uma estrela", fotografia de mariagomes

quinta-feira, dezembro 14, 2006


"O génio, ele é o afecto e o momento presente, construiu a casa aberta ao inverno espumoso e ao rumor do verão, purificou as bebidas e os alimentos, ele, que é a sedução dos lugares evanescentes e a delícia sobre-humana dos lugares parados. É o afecto e o provir, a força e o amor que, ao enfrentarmos a pé firme as dores e contratempos, vemos passar no céu ameaçador e nos estandartes de êxtase.
É ele o amor, medida perfeita e reinventada, razão maravilhosa e inesperada, e a eternidade: máquina amada das qualidades fatais. Já todos sentimos o pavor da sua e a nossa concessão: ó gozo da saúde que possuímos, impulso das nossas faculdades, amor egoísta e paixão que lhe temos, ele, que nos ama para a sua vida infinita...
Lembramo-nos dele, e ele viaja…. E, se a Adoração se for, toca, a sua promessa brada: “ Para trás essa superstições, esses corpos de antigamente, essas famílias e esses tempos. É esta época, porque passamos, que soçobrou!”
Ele não se irá embora, não voltará a descer do céu, não redimirá as cóleras das mulheres, nem as alegrias dos homens, nem outro pecado qualquer: porque ele sendo, e sendo amado, isso já aconteceu.
Oh!, os seus sopros, as suas cabeças, as suas corridas; a terrível celeridade da perfeição das formas e da acção.
Ó fecundidade do espírito e imensidão do universo!
O seu corpo!, a sua quietude sonhada, o quebrar da graça entremeada de uma nova violência!
A sua visão, sua visão!, depois da sua passagem , perdoadas todas as antigas genuflexões e castigos.
A sua hora!, a abolição de todos os sofrimentos sonoros e movediços numa música mais intensa.
O seu passo!, as migrações mais ingentes do que as antigas invasões.
Ó ele e nós!, um orgulho mais benevolente do que as perdidas caridades.
Ó mundo!, e o canto cristalino das novas infelicidades!
O génio, conheceu-nos ele, e a todos ele amou. Saibamos, nesta noite de inverno, de uma ponta a outra, do pólo tumultuoso ao castelo, da multidão à praia, de olhar em olhar, forças e sentimentos cansados, chamar por ele e vê-lo, mandá-lo embora e, sob as marés e no pico dos desertos de neve, seguir as suas visões, o seu sopro, o seu corpo, a sua hora."

Arthur Rimbaud
in “ O rapaz raro”
Iluminações e poemas
Trad. Maria Gabriela Llansol
Edições Relógio D’água

quarta-feira, dezembro 13, 2006

não deixo para trás as rosas
alguém disse que o inverno tombaria de um corpo abrasador
para colher coisas que ficaram

a tua voz
o luar
nas tuas mãos que ainda sobe a luz límpida do dia.

mariagomes
13Dez.2006

segunda-feira, dezembro 11, 2006


"Diante de um grande poeta, tem-se a sensação de que as coisas que permaneceram escondidas no caos emergem."

Christian Hebbel

sábado, dezembro 09, 2006

" O sage, Dichter..."



Que fazes tu, poeta? Diz! - Eu canto.
Mas o mortal e monstruoso espanto
Como o suportas, como aceitas? - Canto.
E que nome não tem, tu podes tanto
Que o possas nomear, poeta?- Canto.
De onde te vem direito ao Vero, enquanto
Usas de máscaras, roupagens? - Canto.
E o que é violento e o que é silente encanto,
Astros e temporais, como te sabem? - Canto.


Rainer Maria Rilke

Áustria ( 1875-1926)
in " poesia do século XX"
Antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena
edições Asa

terça-feira, dezembro 05, 2006


para mim, marinheiro, a água é doce e o amor
um abismo volante.

eu confio-te a eternidade
das águas
as parábolas onde se prendem os lírios.


mariagomes
5dez.2006

quinta-feira, novembro 30, 2006


porque dispões as mãos e dizes que ciciam os astros,
eu pretendo intensamente a luz.

tudo se parece com o mistério que redime a vida
como a boca triste, concisa
de um poema.
sempre foi assim o coração que o silêncio celebrou.

mariagomes
29Nov.2006, 23 h e 40m

segunda-feira, novembro 27, 2006




"Estou num pedestal muito alto, batem palmas e depois deixam-me ir sozinho para casa. Isto é a glória literária à portuguesa".


Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu em 1923 em Lisboa, e faleceu ontem aos 83 anos.

(fotografia do jornal O Público)

sexta-feira, novembro 24, 2006

no limo da linguagem


Sim, o desacerto é a extensão do meu peito e eu procuro-te
no limo da linguagem
tão fria
tão imersa

É nesta música que cego movendo-me uma réstia
para depois me levar a migração
à flor do fosso
onde tudo recomeça

Estás a ouvir-me
numa dissoluta vontade eu sou a secura
eu estou na tarde da rosa-dos-ventos
eu sou um enlouquecido movimento
encontrarei o sal das amoras os meus dedos atrás da morte
na imperceptível morte de agora.

mariagomes
24.nov.2006

quinta-feira, novembro 23, 2006

o assalto, Mia Couto


"Uns desses dias fui assaltado. Foi num virar de esquina, num desses becos onde o escuro se aferrolha com chave preta. Nem decifrei o vulto: só vi, em rebrilho fugaz, a arma em sua mão. Já eu pensava fora do pensamento: eis-me! A pistola foi-me justaposta no peito, a mostrar-me que a morte é um cão que obedece antes mesmo de se lhe ter assobiado.
Tudo se embrulhava em apuros e eu fazia contas à vida. O medo é uma faca que corta com o cabo e não com a lâmina. A gente empunha a faca e, quanto maior a força de pulso, mais nos cortamos.
— Para trás!Obedeci à ordem, tropeçando até me estancar de encontro à parede. O gelo endovenoso, o coração em cristal: eu estava na ante-câmara, à espera de um simples estalido. Cumpria os mandamentos do assaltante, tudo mecanicamente. E mais parvalhado que o cuco do relógio. O que fazer? Contra-atacar? Arriscar tudo e, assim sem mais nem nada, atirar a vida para trás das costas?— Diga qualquer coisa.— Qualquer coisa?— Me conte quem é. Você quem é?Medi as palavras. Quanto mais falasse e menos dissesse melhor seria. O maltrapilho estava ali para tirar os nabos e a púcara. Melhor receita seria o cauteloso silêncio. Temos medo do que não entendemos. Isso todos sabemos. Mas, no caso, o meu medo era pior: eu temia por entender. O serviço do terror é esse — tornar irracional aquilo que não podemos subjugar. — Vá falando.— Falando?— Sim, conte lá coisas. Depois, sou eu. A seguir é a minha vez.
Depois era a vez dele? Mas para fazer o quê? Certamente, para me executar a sangue esfriado, pistolando-me à queima-roupa. Naquele momento, vindo de não sei onde, circulou por ali um furtivo raio de luz, coisa pouca, mais para antever que para ver. O fulano baixou o rosto, e voltou a pistola em ameaça.
— Você brinca e eu …Não concluiu ameça. Uma tosse de gruta lhe tomou a voz. Baixou, numa fracção, a arma enquanto se desenvencilhava do catarro. Por momento, ele surgiu-me indefeso, tão frágil que seria deselegância minha me aproveitar do momento. Notei que tirava um lenço e se compunha, quase ignorando minha presença.
— Vá, vamos mais para lá.
Eu recuei mais uns passos. O medo dera lugar à inquietação. Quem seria aquele meliante? Um desses que se tornam ladrões por motivo de fraqueza maior? Ou um que a vida empurrara para os descaminhos? Diga-se de passagem que, no momento, pouco me importavam as possíveis bondades do criminoso. Afinal, é do podre que a terra se alimenta. E em crise existencial, até o lobisomem duvida: será que existe o cão fora da meia-noite?
Fomos andando para os arredores de uma iluminação. Foi quando me apercebi que era um velho. Um mestiço, até sem má aparência. Mas era um da quarta idade, cabelo todo branco. Não parecia um pobre. Ou se fosse era desses pobres já fora de moda, desses de quando o mundo tinha a nossa idade. No meu tempo de menino tínhamos pena dos pobres. Eles cabiam naquele lugarzinho menor, carentes de tudo, mas sem perder humanidade. Os meus filhos, hoje, têm medo dos pobres. A pobreza converteu-se num lugar monstruoso. Queremos que os pobres fiquem longe, fronteirados no seu território. Mas este não era um miserável emergido desses infernos. Foi quando, cansado, perguntei:
— O que quer de mim?— Eu quero conversar.— Conversar?— Sim, apenas isso, conversar. É que, agora, com esta minha idade, já ninguém me conversa.
Então, isso? Simplesmente, um palavreado? Sim, era só esse o móbil do crime. O homem recorria ao assalto de arma de fogo para roubar instantes, uma frestinha de atenção. Se ninguém lhe dava a cortesia de um reparo ele obteria esse direito nem que fosse a tiro de pistola. Não podia era perder sua última humanidade — o direito de encontrar os outros, olhos em olhos, alma revelando-se em outro rosto.
E me sentei, sem hora nem gasto. Ali no beco escuro lhe contei vida, em cores e mentiras. No fim, já quase ele adormecera em minhas histórias eu me despedi em requerimento: que, em próximo encontro, se dispensaria a pistola. De bom agrado, nos sentaríamos ambos num bom banco de jardim. Ao que o velho, pronto, ripostou:
— Não faça isso. Me deixe assaltar o senhor. Assim, me dá mais gosto.
E se converteu, assim: desde então, sou vítima de assalto, já sem sombra de medo. É assalto sem sobressalto. Me conformei, e é como quem leva a passear o cão que já faleceu. Afinal, no crime como no amor: a gente só sabe que encontra a pessoa certa depois de encontrarmos as que são certas para outros. "


Mia Couto

Alguns contos do Mia Couto


sábado, novembro 11, 2006

quinta-feira, novembro 09, 2006


comovem-me as coisas viandantes as velas
comove-me a aurora onde os lírios culminam como uma declaração de amor
por isto eu quero tocar aquela frágua

algures o sol tão cedo caía numa concha incisiva hesitante e puro

e houve longamente o mar.

mariagomes,
8/9nov.06

domingo, novembro 05, 2006


"as flores ouvindo Mozart- I ", fotografia de mariagomes

segunda-feira, outubro 30, 2006


o grito da noite repousa sereno,
como a chuva límpida de uma primavera que me visitou;

convergiu lentamente para os meus braços,
trocou-me os passos e o amor,
que as aves cantam, e sangro em seu canto pleno.

mariagomes
30out.2006

domingo, outubro 22, 2006


[...]
" Para mim o que pode haver de sensível no amor é uma saia branca a sacudir o ar, um laço de cetim que mãos esguias enastram, uma cintura que se verga, uma madeixa perdida que o vento desfez, uma canção ciciada em lábios de ouro e de vinte anos, a flor que a boca de uma mulher trincou...
Não, nem sequer é a formosura que me impressiona. É outra coisa mais vaga - imponderável, translúcida : a gentileza. Sim, e como eu a vou descobrir em tudo, em tudo - a gentileza... Daí uma ânsia estonteada, uma ânsia sexual de possuir vozes, gestos, sorrisos, a romãs e cores!..."
" Lume doido! Lume doido!... Devastação! Devastação!..."
Mas logo serenando:
- A boa gente que aí vai meu querido amigo, nunca teve destas complicações. Vive. Nem pensa... Só eu não deixo de penar... O meu mundo interior ampliou-se - volveu-se infinito, e hora a hora se excede! É horrível. Ah Lúcio! Tenho medo de soçobrar, de me extinguir no meu mundo interior, de desaparecer na vida, perdido nele...
"... E aí tem assunto para uma das suas novelas: um homem que à força de se concentrar, desaparecesse da vida - imigrado no seu mundo interior...
" Não lhe digo eu? A maldita literatura..."
[...]

Mário de Sá- Carneiro

in "A Confissão de Lúcio"
edição Alma Azul

sexta-feira, outubro 20, 2006

( a dmc)


Amar as palavras que se pontificam.

Ser o som
a luz do sangue
a lonjura nítida.

mariagomes
16.out.06, 22h

quarta-feira, outubro 11, 2006


Olha, mãe, a luz do Outono. A estrela incomensurável.
Sobre ela corre a casa. Os corpos fluidos. E são tardios.
Nos meus olhos estão imagens.

Emerge friamente dos flancos dos meus dedos a cumplicidade dos rios.

mariagomes
10/11Out.2006

terça-feira, outubro 10, 2006


" o rio", fotografia de mariagomes

sexta-feira, outubro 06, 2006

Perceberás a muda e móbil aparição dos meus passos.
O sol bebendo pelos ribeiros.
Numa tarde espantarás a inutilidade crepuscular que domina o azul.
A voz que declarou fervente o estertor dos pássaros.

Ontem ardia uma angústia lúcida. Uma criança efémera.
Um lugar dissipado. E em toda a urbanidade da sombra vivias tu.

mariagomes
6 de Out.2006

segunda-feira, outubro 02, 2006

"Sempre aspirei por uma forma mais ampla, que não fosse nem poesia nem prosa em demasia e permitisse a compreensão, sem expor ninguém, nem autor nem leitor, a grandes tormentos. Na sua essência, a poesia é algo horrível:
Nasce de nós uma coisa que não sabíamos que está dentro de nós, e piscamos os olhos como se atrás de nós tivesse saltado um tigre, e tivesse parado na luz, batendo a cauda sobre os quadris. É por isso que se afirmam, com razão, que a poesia é ditada por um espírito, embora haja exagero em afirmar que se trata de um anjo. É difícil entender a soberba dos poetas, por que se envergonham, quando a fraqueza deles acaba descoberta. Que homem inteligente gostaria de ser o país dos demônios, que nele se multiplicam como em sua própria casa, falam inúmeras línguas , e como se não lhes bastasse roubar-lhe a boca e as mãos, ainda tentam alterar-lhe o destino a seu bel-prazer? Porque hoje se respeita tudo o que é adoentado, alguém poderá pensar que estou brincando apenas, ou que encontrei uma outra maneira de elogiar a Arte através da ironia. Houve um tempo em que somente livros sábios eram lidos, que ajudam a suportar a dor e a desgraça. Mas isso não é o mesmo que examinar milhares de obras oriundas direto das clínicas psiquiátricas. Mas o mundo é diferente daquilo que nos parece, e nós próprios diferentes de nossos delírios. Por isso as pessoas conservam a sua silente cortesia, para obter respeito de parentes e vizinhos. A vantagem da poesia consiste no fato de lembrar-nos da dificuldade de manter a identidade, pois a nossa casa está aberta, não há chave na porta, e hóspedes invisíveis entram e saem. Concordo, o que estou contando aqui não é poesia. Poesias devem ser escritas poucas vezes e de má vontade, sob uma pressão insuportável e apenas na esperança de que os bons espíritos, e não os maus, tenham em nós o seu instrumento. "

Czeslaw Milosz
(1911-2004) Polónia
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Podes entrar ; tenho as mãos para dizer o disperso canto das águas. Os meus olhos, alagados pelo grito das árvores, são lúcidos ao início do sol. Com o amor das coisas, rejubilo e lanço os braços a um rodopio doce e futuro, a uma tempestade humana. Tudo o que eu espero é sentir o elo da criação que se move, entre mim e ti, e a claridade. ____________mariagomes
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