quarta-feira, março 02, 2005

A Função Social da Poesia por T. S. Eliot ... parte 2ª




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"Quanto à poesia dramática, há uma função social de um tipo que lhe é agora peculiar. Pois enquanto a maior parte da poesia atual se escreve para ser lida a sós, ou em voz alta em companhia de poucos, o verso dramático em si tem como função produzir uma impressão imediata e coletiva sobre um grande número de pessoas reunidas para assistir a um episódio imaginário representado num palco. A poesia dramática é diferente de qualquer outra, mas, como suas leis específicas são as do drama, sua função está mesclada com a função do drama em geral, e não estou aqui interessado nas funções sociais específicas do drama.

Quanto à função específica da poesia filosófica, isso envolveria uma análise e um relato histórico de certa extensão. Acho que mencionei tipos de poesia o suficiente para deixar claro que a função específica de cada uma está relacionada a alguma outra função: da poesia dramática com o drama, da poesia didática de informação com a função de seu tema, da poesia didática de filosofia, religião, política ou moral com a função de cada um desses assuntos. Podemos considerar a função de qualquer um desses tipos e ainda assim deixar intocada a questão da função da poesia. Pois tudo isso pode ser tratado em prosa.

Mas antes de prosseguir, quero afastar uma objeção que pode ser levantada. As pessoas às vezes desconfiam da poesia que possui um propósito particular: poesia na qual o poeta está advogando opiniões sociais, morais, políticas ou religiosas. E estão muito mais inclinadas a dizer que ela não é poesia quando não gostam das opiniões particulares; do mesmo modo que outras pessoas muitas vezes pensam que algo é verdadeira poesia porque por acaso exprime um ponto de vista que apreciam. Devo dizer que esta questão se um poeta está usando sua poesia para advogar ou atacar um comportamento social não importa. Versos ruins podem ficar transitoriamente em voga quando o poeta reflete uma atitude popular do momento; mas a real poesia sobrevive não só a uma mudança de opinião popular, mas à completa extinção do interesse pelas questões com as quais o poeta estava tão apaixonadamente preocupado. O poema de Lucrécio persiste um grande poema, embora suas noções de física e astronomia estejam desacreditadas; os de Dryden, embora as disputas políticas do século XVII não mais nos interessem; exatamente como um grande poema do passado ainda pode dar grande prazer, embora seu tema seja algum que devamos hoje tratar em prosa.

Agora, se devemos encontrar a essencial função social da poesia, temos de olhar antes para suas mais óbvias funções, aquelas que deve desempenhar se é que deve desempenhar alguma. Penso que a primeira de que podemos ter certeza é a de que a poesia deve proporcionar prazer. Se você perguntar que tipo de prazer, só posso então responder que é o tipo de prazer que a poesia proporciona: simplesmente porque qualquer outra resposta nos levaria a divagações sobre estética e a questão geral da natureza da arte.

Suponho que se concordará que todo bom poeta, seja ele um grande poeta ou não, tem algo a dar-nos além de prazer: pois se fosse apenas prazer, o prazer mesmo não poderia ser do tipo mais elevado. Além de qualquer intenção específica que possa ter a poesia, tais como as que já exemplifiquei em seus vários tipos, há sempre a comunicação de alguma nova experiência, ou uma inédita compreensão do familiar, ou a expressão de algo que vivenciamos mas para o qual não temos palavras, o que engrandece nossa consciência ou refina nossa sensibilidade. Mas não é com tal benefício individual dado pela poesia, não mais que com a qualidade do prazer individual, que este ensaio está preocupado. Creio que todos entendemos ambos o tipo de prazer que a poesia pode proporcionar e o tipo de diferença, além do prazer, que ela faz às nossas vidas. Sem produzir esses dois efeitos, ela simplesmente não é poesia. Podemos admitir isso, mas ao mesmo tempo não notar algo que ela faz por nós coletivamente, como sociedade. E digo isso em seu sentido mais amplo. Pois julgo importante que todo povo deva ter sua poesia própria, não simplesmente para aqueles que apreciam poesia, essas pessoas poderiam sempre aprender outra língua e apreciar sua poesia, mas porque isso realmente faz diferença à sociedade como um todo, e isto vale para as que não gostam de poesia. Incluo até aqueles que não sabem os nomes de seus próprios poetas nacionais. Esse é o real assunto deste ensaio. "

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( continua...)

Ensaio retirado de seu livro On Poetry and Poets, London, Faber and Faber, 1971.
Tradução de Bruno I. Mori

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