quarta-feira, agosto 26, 2009

Anibal Beça

Faleceu ontem em Manaus, Brasil, Aníbal Beça, o poeta do paladar das palavras, título do seu último post publicado no blogue AMAZONIC HAIJIN.

À família enlutada o meu abraço de condolências.

Em homenagem a tão ilustre amigo, com saudade e porque as palavras me faltam nestes momentos derradeiros, deixo aqui uma estrofe do poema Licença Poética da autoria de Jota Jota Paes Loureiro

[...]
"Manda-me um verso depressa,
faz uma trova voar
e não me venhas com essa,
que estás de pernas pro ar..."


maria

terça-feira, agosto 25, 2009

Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância.
Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
Falem pouco, devagar,
Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
O que quis? Tenho as mãos vazias,
Crispadas flebilmente sobre a colcha longínqua.
O que pensei? Tenho a boca seca, abstracta.
O que vivi? Era tão bom dormir!


8-12-1931
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 86.

sexta-feira, julho 24, 2009

A uma só voz


Alimento-me de raízes.
Desço ao fundo
pela corda da fome da saudade
e encosto-me à terra,
encontro todas as coisas
em todas as cores
ao som de todos os dialectos...
Vou ao fundo
e subo a todas as árvores
a todas as montanhas,
percorro desertos acústicos de paixão
onde ardem sublimes miragens:
são guitarras verdes
que se curvam à passagem do meu ouvir.
Moro aí
nessa linha indefinida da insónia e do sono,
onde o céu e a terra se costuram
onde o silêncio sustenta o levitar de pássaros.
Moro aí
onde não há céu e terra,
existo num pressentir.
Numa cadência.
No que há-de vir.
Em tudo o que foi
lapido o momento
num corpo que dança e
numa voz que te canta, Mãe-África!

mariagomes
Coimbra, 2002
in edição PD Literatura, 2002



domingo, julho 05, 2009

Vida



A mim foi negado tudo.
Até o absurdo.

22 de Junho de 2009

Rodrigo de Souza Leão

(n. Rio de Janeiro, 4 de Novembro de 1965, f. 1 de Julho de 2009)



segunda-feira, junho 29, 2009


eu queria para ti um deus que desenhasse
a pedra o fogo o trigo o sal
- o som diáfano que persigo


nas entranhas misteriosas
uma canção que fosse de desvelo - uma planície.

mariagomes
junho.09



quinta-feira, junho 25, 2009



não é tua a melodia funda destas águas
nem o sangue profanado dos sinais em chagas.


mariagomes
jun.09




eu não queria para ti este lume amargo como um antro
este luto que subverte a razão da poesia.


mariagomes
jun.09



domingo, junho 21, 2009

Babatunde Olatunji - Shango (Chant to the God of Thunder)

Babatunde Olatunji natural da Nigéria, um dos mais carismáticos precurssionistas africanos foi membro fundador do projecto Planet Drum ( faleceu a 6 de Abril de 2003)

Dele, digo: tinha as mãos de deus.



sexta-feira, junho 19, 2009


II

cedo ouvi o dilecto som das aves
na emoção que emigra

em qualquer batalha vi morrer um filho.



mariagomes
19jun2009

I


cedo me aventurei por esse caminho
abri a cega intimidade
receei apagar-lhe o brilho
cantante até à morte
outorgada à vagarosa arte de ser ilha
ou mar puro
onde nascer seria
o que se suspende
ou se celebra.


mariagomes
19jun.2009



quarta-feira, junho 17, 2009




recorda comigo - só havia o luar
as imagens difusas assoreavam a noite

o deserto era um anjo azul
o verso os olhos
a urgência de abraçar o ramo o vento um rio

naquele corpo
como se ardesse em vegetação.


mariagomes
jun2009






sexta-feira, junho 12, 2009

canta por mim ainda que o amor não venha
com a mesma sede venci a tormenta da nomeada dor
sem quartel
em cada cópula de fogo em suas cinzas dulcíssimas

neste desejo civil de ver nascer o sol rumei ao invisível.


mariagomes
junho, 2009




quinta-feira, junho 11, 2009

sexta-feira, maio 29, 2009

Juan Ramón Jiménez: La poesía, 1954



1

La poesía no es sucesiva, como la ciencia. Un poeta no continúa a otro poeta, sino que recrea, revive, aísla y cierra en sí mismo «toda» la poesía.

2

Un camino por donde, aunque uno sabe que no llegará nunca, va uno bien y seguro de que es el único y verdadero.

3

La poesía…, esta eyaculación –¡qué deleite!– del espíritu.

4

Si la poesía fuera, como algunos pretenden, una cosa precisa, inflexible, ríjida, suntuosa, llegaría a desprestijiarse entre sus dos hermanas: la pintura y la música. En la pintura, realista o romántica, el pintor fija el motivo de la naturaleza como es ella misma y lo divulga o lo fija a través de su alma, para que sea fuente de sensación.
La música es una evaporación de la vida; es también maleable, irisada y temblorosa; tesorera, podríamos llamarla. El arte no traduce, comenta. La palabra fija y concreta, como el color, como la nota, debe tender a la difusión, a la melodía, a algo que se evoque y que emocione y que, al fin, abra la fuente de nuestros sentimientos ideales.

5

NO PROFÉTICA

La poesía auténtica es siempre futura, nunca profética. Su profecía consiste precisamente en ser futura.
Y no se me diga que la poesía, futura en la espresión, puede soportar también una profecía; porque la poesía es «sólo» una unidad completa.
(Quien puede ser profético es el poeta. Pero eso es otro asunto. Y se trata en prosa hablada.)

6

ESA CHISPA

La poesía nos la trae todo el existir diario que rodea nuestro diario existir; y la hace saltar, buena chispa, el roce o el choque de las existencias encontradas. Pero, en sí, la poesía, es decir, lo que salta y lo que ilumina esa chispa a nuestra espresión no es más que lo absoluto.

7

La poesía inferior gana declamada, aumentada a los oídos, no vista. La superior pierde así; gana leída en silencio con los ojos.

8

LA SANGRE VERDE

La poesía no se renueva gritando a las señoras asustadas o crédulas que la sangre es verde; sino sorprendiendo las ideas esenciales que esa sangre, más verde o más roja, riega, fecunda y exalta.

9

COMO ESENCIA

Poesía, una sustancia que alimenta como esencia.

10

Lo objetivo –que varía en cada país– no puede ser universal. Sólo es universal el alma del hombre. Así, la poesía subjetiva es la única que llena el universo.

11

Poesía, instinto cultivado.

12

La poesía, principio y fin de todo, es indefinible. Si se pudiera definir, su definidor sería el dueño de su secreto, el dueño de ella, el verdadero, el único dios posible. Y el secreto de la poesía no lo ha sabido, no lo sabe, no lo sabrá nunca nadie, ni la poesía admite dios. Por fortuna, para Dios y para los poetas.

13

El estreno de la poesía es influir superiormente sobre el mismo poeta que la ha escrito en instantes de su ser superior; hacer de un hombre divinizado un dios frecuente.

14

La conquista de la poesía es como la del amor, que nunca sabremos si su secreto es nuestro, y contamos para siempre con la belleza y la fuerza de esa duda.

15

Sólo la creación vence el ruido de la Creación.

16

Poesía metafísica no filosófica.

17

Poesía pura no es poesía casta, sino poesía esencial.

y 18

No hay poeta más puro, es decir, auténtico, que el poeta fatal.




Juan Ramón Jiménez
(Huelva, 1881-SanJuan de Puerto Rico, 1958)
in Estética y ética estética (aforismos, 1907
-1954), 1967






segunda-feira, abril 27, 2009




amo a voz que me semeia amo as aves
pelos hidrópicos milagres
amo a terra

e a verdade da nuvem da lua cheia.

mariagomes
abril.2009






quinta-feira, abril 16, 2009

Meu querido Paolo Conte...

( como é difícil expressarmo-nos mediante o imenso! tudo se suspende nesse laghi bianchi del silenzio.)

terça-feira, abril 14, 2009


entre as árvores esperadas
e os dedos trémulos
deixaremos este acesso febril e dificílimo
a voz do sol os jardins os dias ermos...

a esta entrega assinalada eu ficarei livre livre!…

mariagomes
14.abril09

segunda-feira, abril 13, 2009





o eterno é isto:
-o nome dos rios um istmo
as minhas mãos por nascer

na via láctea.

mariagomes
13.abril.09






sábado, abril 11, 2009


é no decúbito da noite que detenho a terra
e anuncio a verdade dos crepúsculos.

é neste mar crivado que moldo em barro

a eternidade.


mariagomes
11abril2009




quinta-feira, abril 02, 2009

Quando Diamanda Galás passou por Portugal, em 2005, Walter Hugo Mãe escreveu:

"ia jurar que, semicerrando os olhos, se podia ver fumo negro saindo da sua boca. um fumo rápido, atarefado com dispersar-se por toda a sala. parecia que nos imergia nos seus misteriosos ofícios. com o tempo, tudo pode acontecer a quem lá esteve"


Repito o que já havia escrito no meu site do multiply : realmente,tudo pode acontecer a quem a ouve!

Uma chamada de atenção para o poeta, periodista e crítico literário salvadoreño Miguel Huezo Mixco, autor deste poderoso poema:


Si la muerte viene y pregunta por mi
haga el favor
de decirle que vuelva mañana
que todavia no he cancelado mis deudas
ni he terminado un poema
ni me he despedido de nadie
ni he ordenado mi ropa para el viaje
ni he llevado a su destino el encargo ajeno
ni he echado llave en mis gavetas
ni he dicho lo que debia decir a los amigos
ni he sentido el olor de la rosa que no ha nacido
ni he desenterrado mis raices
ni he escrito una carta pendiente
que si siquiera me he lavado las manos
ni he conocido un hijo
ni he empredido caminatas en paises desconocidos
ni conozco los siete velos del mar
ni la canción del marino
Si la muerte viniera
diga por favor que estoy entendido
y que me haga una espera
que no he dado a mi novia ni un beso de despedida
que no he repartido mi mano con las de mi familia
ni he desempolvado los libros
ni he silbado la canción preferida
ni me he reconciliado con los enemigos
digale que no he probado el suicidio
ni he visto libre a mi gente
digale si viene que vuelva mañana
que no es que le tema pero ni siquiera
he empezado a andar el camino.





domingo, março 29, 2009




“O mal de quase todos nós é que preferimos ser arruinados pelo elogio a ser salvos pela crítica".


Norman Vincent Peale

(n. 31 de maio de 1898, Bowersville, Ohio, EUA - f, 24 de dezembro de 1993, Pawling, New York, EUA)





segunda-feira, março 23, 2009

sexta-feira, março 13, 2009




Estas fotografias foram obtidas, ontem, às 21h e 30m. São flores de cacto que se abrem uma vez ao ano, no nosso verão, por uma noite! Assim se chama a flor: a dama da noite. Diz quem sabe, que à meia noite o aroma e as flores são ainda mais intensos.





sexta-feira, março 06, 2009


que sol virá contrariar o tempo intumescendo o amor
se da escuridão regressa a brisa
e a primavera
e o luar modela a rocha lisa no frio púlpito da miséria.

que odor maior que remate que memória me devolverá o mar?

mariagomes
março, 2009




quarta-feira, março 04, 2009

quinta-feira, fevereiro 26, 2009




falo à frágil onda que se desfaz na noite
ao tempo que amarelece talhado ao leite de minha mãe
há assim a pujança de estrelas
e areais serenos
no poema que apaguei.

mariagomes
fev.2009

quarta-feira, fevereiro 18, 2009





tremo não me equilibro cultivo a lira a flor-de-lis vocábulos
lisos - naquele baixio cultivo a ânsia nesta dádiva
de nevoeiro que em mim descansa.



mariagomes
fev,2009


segunda-feira, fevereiro 16, 2009

sábado, fevereiro 14, 2009


quero a minha poesia na força do amor no voo na fonte
quero aplanar a voz despertando de mansinho a aura o dia
quero que a minha poesia se solte e fira
e sangre na cor de um diamante.


mariagomes
14fev.2009



terça-feira, fevereiro 10, 2009




Quem administra um blogue de poesia , sabe como isto, às vezes, funciona, ou deve funcionar: uma imagem fundamenta um poema, uma poema uma imagem, uma palavra um poema, uma música um poema ou uma palavra... e por aí vamos.
O vídeo “cinco dias > stand by me….” aqui exibido, o que mais prazer me deu ver ouvir e publicar, pediu este poema de Fernando Couto que poderia muito bem ter sido dirigido a qualquer uma daquelas belíssimas vozes que, espero não tenham caído, de novo e definitivamente, no anonimato.


mariagomes



Pergunta a Paul Roberson

Que rios te correm na voz
Paul Roberson 1 ?
Que marulhantes graves e longos
rios é o teu canto
Paul Roberson?
É o Congo ou é o Mississipi
com manchas de sangue indissoluto?
Ou são os afrontosos rios
da humilhação impotente
Paul Roberson?
Ou é o Nilo ou o Missouri
cavando às cegas o leito
nas terras da hostilidade?
Ou será a mágoa sem fundo nem tempo
náufraga sem morte dos barcos de negreiros
soluçando nos campos de algodão
dos diversos estados da Carolina do Sul
Paul Roberson?
Ou será a incomparável curva doida do Niger
rompendo o caminho do mar?
Ou será apenas o lento pesado arrastar dos pés
dos teus irmãos de raça
Paul Roberson
rompendo o caminho do mar?

1 Cantor de blues norte-americano

Fernando Couto


In Poetas de Moçambique

**Fernando Leite Couto nasceu em 1924 em Rio Tinto Portugal. Jornalista, pai do escritor Mia Couto reside actualmente em Maputo onde é responsável pela editora Ndjira.
Bibliografia
Poesia – Poemas junto à fronteira ( 1959); Jangada do Inconformismo (1962), O Amor Diurno( 1962) , Ficções para um retrato ( 1971); Monódia (1997) e Os Olhos Deslumbrados (2001)


segunda-feira, fevereiro 09, 2009

entrevista de Juan Gelman, 2008

[...]El único tema de la poesía es la poesía misma. Shakespeare era un gran poeta político; Dante también. En nuestra generación hubo gente que escribió panfletos, pero solamente hubo un gran poeta: Francisco Urondo. Por lo tanto, no es el tema que determina la calidad de una poesía. Safo escribió versos de amor hace veinticinco siglos y se conservan fragmentos que son estupendos. De Safo a la fecha se han escrito millones y millones de poemas de amor que no le llegan ni al tacón de las sandalias que ella usaba. Y el tema es el mismo. [...]


Juan Gelman

( clique no título)


domingo, fevereiro 08, 2009

sábado, fevereiro 07, 2009



creio no elemento do azul , no enleio,
no deserto
em nossas mãos sereníssimas,
diáfanas, pelas dunas de cada dia radiante.

creio na pedra do exílio, no teu nome ausente.

ah!, meu amor creio no sal que me devora os lábios.


mariagomes
fev.2009


sexta-feira, fevereiro 06, 2009



grito - sou o sol que nasceu na provação dos dias
no corredor nu das calemas

junto ao espelho não ouso um céu.

mariagomes
fev,2009




agora escrevo na ciente voz que plana para além do medo
no silêncio legente onde a morte nos devassa o sangue
e o veste de aflições e
o derrama num pequeno caudal
de flor veludo e alma.


mariagomes
fev.2009

quinta-feira, fevereiro 05, 2009




"A inconsciência é uma pátria; a consciência, um exílio."

Emile Michel Cioran


[8 de abril de 1911, Răşinari, Sibiu, Austria-Hungary (hoje Romênia) - 20 de junho de 1995]


segunda-feira, fevereiro 02, 2009

sábado, janeiro 31, 2009



Respondendo ao repto que me foi lançado por Ana Cecília do blogue Casulo Temporário transcrevo a 6ª linha, na página 161, de uma antologia de poesia moçambicana do poema “ Deixa passar o meu povo” de Noémia de Sousa. Posteriormente alinhavei uns versos.

Convido, agora, para esta ciranda o Fred Matos, a Gabriela Gouveia, o José Ribeiro Marto e o Henrique Pimenta. Leiam a 6ª linha da página 161 do livro que esteja mais próximo de vós transcrevam-na e… escrevam.



“abro-me e deixo-me embalar…”(1)
pela saudade da clareira que acende o meu povo
naquele oriente vago profuso
impelindo a noite que lhe lavou o rosto
e refulge
num suave ramo lunar


mariagomes

(1) Noémia de Sousa

sexta-feira, janeiro 30, 2009




A poesia é um eco que convida uma sombra para dançar.

Carl August Sandburg


n. Galesburg, Illinois a 6 de Janeiro de 1878 – f. Flat Rock, Carolina do Norte, a 22 de Julho de 1967




variações sobre o verde

sábado, janeiro 24, 2009




não é fácil entrar em janeiro
sentir o coro amotinado de meus devotos ais

não é fácil abrir as pálpebras de périplos lunares
a este solo gélido

dizer
- estou aqui
tenho o fôlego do amor nas mãos.

mariagomes

24, jan, 2009






segunda-feira, janeiro 19, 2009

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dou ao mar a gravidade dos meus lábios
a pueril imagem

ao coração
os olhos sitiados.


mariagomes
ano/2008

domingo, janeiro 18, 2009

Je ne supporte pas d'être moi, je m'invente.

Joë Bousquet

Extrait de Penser contre soi


na remota ilha de meus vagos anseios,
as minhas mãos brincam como barcos
no estuário dos istmos.

puro objecto que sei
ser grado e efémero deserto
e sede bípede,
ainda e sempre.

oh meu deus!
tudo estava em nós nutrindo o nervo,
a árvore, a fome na ilusão já vencida.

mariagomes
jan.2009


terça-feira, janeiro 13, 2009




cobre-me tu, alma!
diz-me a que mar pertence a fibra da minha
morte,
porque eu saúdo-a com teu sorriso secreto
entre os desígnios da noite.


mariagomes
13, jan.2009





domingo, janeiro 11, 2009




"O homem foge da sua sombra anterior para a sua luz futura."

Teixeira Pascoaes
(1877/1952)




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sábado, janeiro 10, 2009

não há poesia

Disse num poema intitulado a metamorfose da voragem que - não há poesia - e dizendo-o, duvidei do que disse. Que dualidade! se quiserem, que incongruência…

Não me quero alongar em mera retórica, pretendo somente a concisão de uma consciência poética (a minha) num tema, num tempo tão explosivo quanto este : ‘ Poesia, Poeta e Poema’.

Se não há poesia, onde se projecta o poeta e o poema? Em que dimensão habita o sopro? Tocará ele, como afirma T.S Eliot, ‘a orla daqueles sentimentos que só a música pode expressar’?

Essa orla, essa fronteira, puramente sensível, puramente primeira, imaterial amplia-se entre o antes e o depois como o crisol ardente da emoção criadora

__e concomitante roda 'no selim da infância '(1) entre a natureza e o espírito devorador do significante e do significado de que se apropria, com a insígnia da voz.

E esse ‘ser primitivo‘, que é o poeta (como definiu Eugénio de Andrade) integra-se numa relação íntima, sucedâneo de um cosmos que se nos diz ‘num pequeno mundo cheio de amor.’ (2)

Talvez a poesia ande num pequeno mundo cheio de amor! e seja na noite, aquela ondulação que contagia o corpo e submerge o mar, que o mar ainda é a matéria de migrantes missivas

__e a poesia, o invisível.

Eu não vejo a poesia. Vislumbro um lugar 'onde ninguém pode poisar a cabeça' (3), onde a palavra se faz coisa: átomo, grito, canto, grifo do silêncio… manifestação do mundo recriando o mundo, arremesso da pupila deslocando o azul do sol

__e o sortilégio do infinito que estanca o rosáceo sangue de um austro.

Eu não vejo a poesia. Vislumbro os levantes, a luz das densas falésias na oferenda das mãos que recolhem a cidade real, e perguntam:
__Onde vive a poesia?
Não sei!... Isto só ao verbo é permitido responder, ao tecido dos homens, ao que 'apartado nele nos seja presente' (4)

Eu admito, apenas, que viceja na alfaia de um ovo, na espiga de um lírio, ou na meda de um cântico ungido.


...

não sei, meus amigos, o que fazer da minha poesia.
o que fazer do que antecede, do que digo.
do que é excessivo, às vezes, como uma lâmpada alegre.
estou presa num poema.
estou prestes a explodir em espuma.
procuro um lugar…. os olhos, a parede…
vou pendurar a minha poesia nos olhos da parede.
vai escorrer pela cal húmida
vai desfazer as mãos redondas das lágrimas.
depois, quando não mais houver, sem o olhar,
sento-me num degrau qualquer de magnólias,
e acaricio-as como se ali nascesse o mar.**



mariagomes
III Bienal de Poesia, em Silves, abril de 2008





1) Ruy Duarte de Carvalho in Lavra , “poesia reunida’
2) Ruy Belo,p.81 cap- ‘ particular configuração da palavra arte, Na Senda da Poesia’
3)Ruy Belo, “ Na senda da Poesia
4) Léon L. de, op cit., p.399. in cap ‘-particular configuração da palavra arte, Na Senda da Poesia’, Ruy Belo

**Maria Gomes ' o lugar da poesia' a José A. Gonçalves in memoriam
e a José Félix




Diegos Jesús Jiménez



“El verdadero poeta lo que hace es intentar extraer la poesía de la realidad, no verter poesía sobre la realidad porque lo que se hace es una poesía literaria. Hay que mirar la vida con ojo poético. Embadurnar con poesía la realidad es muy fácil, lo hace cualquiera con lecturas y un poco de sensibilidad. El camino contrario, extraer poesía de la realidad es lo complicado.” […]

Diego Jesús Jiménez

Entrevista, 2008
in Artes Poéticas







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sexta-feira, janeiro 09, 2009



eu nada sei do amor no preâmbulo das asas

eu nada sei do vento
que copulou com as límpidas alvoradas
nem da pungente catarse dos crepúsculos

pelas catedrais

espero ainda o sol.


mariagomes
9,Janeiro, 2009


quarta-feira, janeiro 07, 2009


e há rosas de sal e rios lógicos possuídos
e há também caminhos num mover de pedras
e o espanto do mar ao fundo
sonho ou vida ou artéria de fogo
ao acordar da hora obsidiante

este chão é meu
esta cidade nasceu algures das algas

de um quinhão
nos olhos para compensar a luz
da eternidade.

mariagomes
jan, 2009



terça-feira, janeiro 06, 2009

onde teu rosto se inscreve em seda e ouro,
onde, em rota, as manhãs são cálidas
e clandestinas,
todo o deserto rompe em flor.



mariagomes
jan,2009


sábado, dezembro 27, 2008



como um primeiro ser vivo como uma ave de cetim
ladeando a ilusão de um céu azul claro
tenho as mãos expectantes
na penumbra pronta de meu sono redimido
nas águas metafóricas
na coreografia das fragas que nasceram
e dão à praia um perfume roxo de ternura
para quem a tarde se ajoelha
para quem o branco da poesia que derramo
para quem a voz de uma só estrela é o silêncio tutelar de um oceano.


mariagomes
dez, 2008

quinta-feira, dezembro 25, 2008

quarta-feira, dezembro 24, 2008



nos campos de refugiados do Congo
a mesmíssima condenação
fechado ao sol o mesmo acervo
a mesma mão erguendo as paredes do medo

nos campos de refugiados do Congo não há natal.


mariagomes
24dez,08




domingo, dezembro 21, 2008

neste horizonte

prometo que doarei a madrugada num dever maior
ao anil da brisa.

prometo expandir as águas
pelos areais tangíveis.

longamente, prometo, pai,
reescrever o teu rosto na rebentação dos dedos,
no cume das lágrimas
do húmus,
no pecúlio de tua devoção
ao singrado sangue que desponta,
gota a gota,
neste horizonte de asserto.



mariagomes
21dez.08


quinta-feira, dezembro 18, 2008

terça-feira, dezembro 16, 2008

para o silêncio



não basta a noite não basta o brilho
não bastam batuques febris girando
girando
na ilusão de sons longínquos

para o silêncio de uma luz acesa
sobre pétalas e pétalas
é preciso inventariar a infância
e as claves dos beirais

um dia houve que olhei o mar
e o seu reflexo veio a mim como um jardim de âmbar
puro
que se renova a cada ramo
revolto na força densa dos corais.

mariagomes
dez, 2008



segunda-feira, dezembro 15, 2008

Eduardo White

a viola





Felizes os homens
que cantam o amor.

A eles a vontade do inexplicável
e a forma dúbia dos oceanos.


Eduardo White

1963, Moçambique
in Amar sobre o Índico

quinta-feira, dezembro 11, 2008


oiço-te numa paisagem de bruma tombada na orgia dos rochedos.
subtil e breve, oiço-te na lua,
és o favo do meu porto recolhendo o barco de dezembro.

a morte existe, sim, marginal. nela envolvi o meu nome
anímico, morto de sede.


mariagomes
dez,2008




quarta-feira, dezembro 10, 2008



tempo de partir o pó de mil fogueiras
amontoar as aves ao luar

tempo de invadir o vento
comover o corpo no ouvido da revolta

tempo de erguer a lágrima
e um arado.


mariagomes
dez, 2008




Artigo 25º 1

dos direitos do homem




Artigo 25.º
1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.





terça-feira, dezembro 09, 2008


vê! o meu momento é este
esperar que se decante o estoiro das batalhas
deixar que os mortos falem
aclarar o campo
na terra dura que se suspende em manto.



mariagomes
dez, 2008

acácia em flor 2

Samuel Beckett



Nous naissons tous fous. Quelques-uns le demeurent.

Samuel Beckett

Extrait de En attendant Godot

.....................

Nascemos todos loucos; alguns permanecem (assim)

extraído de À Espera de Godot






entre o corpo e o crepúsculo a terra
tão súbita tão pura
a mesma sede

deixa-me colher na vigília deste vento
a palma desta fonte
a viandante estria a dor viril
da nua madrugada

deixa-me escorrer no sol assente o baleado sonho
a sangue frio
líquida como as ondas e os anjos.

mariagomes
dez, 2008




domingo, dezembro 07, 2008



talvez não saibas que amo as temperadas manhãs
que há um lugar que transcende os olhos
que atravessam sóis como baionetas de sangue

nunca te falei da infância de um acidulado relâmpago
nos passos
das pálpebras
das palavras
de um dever profundo
houve uma rosa submersível condenada à água
e lábios fortíssimos azuis
e faróis perdidos em profusão em chamas

sabes? quando pousei as mãos senti partir o cântico dos mares


chamei por ti.

mariagomes
dez, 2008



sábado, dezembro 06, 2008

O Corte Final


eu também, meu caro waters,
estive preste ao corte final,
a deixar que todos vissem
palavras de sangue na parede
com a letra de uma canção

eu também, meu caro waters,
queria mostrar meu lado fraco
sucumbir à absoluta alucinação
escrever com sangue na parede
os versos de outra canção

eu também, meu caro waters
não tive coragem pro corte final
mas tenho a lâmina guardada:
talvez em alguma madrugada
eu escreva a definitiva canção.

Fred Matos
05/12/2008

sexta-feira, dezembro 05, 2008

variações sobre a cruz




Foste morto numa cruz
p'ra onde te levou o povo.
Que Te fariam Jesus
se cá viesses de novo?!

IN Alberto Sá,
"OITENTA MENSAGENS" 1993



posso emigrar no teu nome amar os rios
abrir a chuva
o sorrir

no regaço da aurora
prolongar a sede do anoitecer.


...

mariagomes
dez/2008


quinta-feira, dezembro 04, 2008



amanhã quando vazarem as cordilheiras
e o clamor for mais alto
da chuva a
cair
na distância que sela um hierático silêncio
escreverei poemas de amor.
nessa hora de porões translúcidos
contornarei a linha
verso a verso
consignando o mito do deserto.

amanhã falarei de ti da vertente febril
dos teus braços
sobre o amanhecer dos séculos.

mariagomes
dez/2008






Mahatma Gandi



"O único tirano que aceito neste mundo é a pequena voz silenciosa que há dentro de mim."

Mahatma Gandhi
1869/1948


segunda-feira, dezembro 01, 2008

domingo, novembro 30, 2008

Estrela

Legenda
para aquela estrela
azul
e fria
que me apontaste
já de madrugada:
amar
é entristecer
sem corrompermos
nada.

Carlos de Oliveira

in cd " Ao Longe os Barcos de Flores"





51 Faixa 51- Estrela.wma - poema de Carlos de Oliveira

sábado, novembro 29, 2008

"as árvores morrem de pé"


ouve as árvores o sangue a sua ramagem

imagina um Outono
em arco como se fosse teu

como é tão próxima
ao longe
a nau que não morreu!

mariagomes
29 nov.2008

na dicção de um sonho


não, não renunciarei à urgência dos espectros,
a este claro coração;
expectante,
a morte é um rio secreto.
há muito tempo, eu sei,
nos nós dos dedos,
no fulgor do estio
abriam-se corolas vivas
com a respiração do verde, entre sílabas e sílabas.


mariagomes
nov/2008





segunda-feira, novembro 24, 2008



tudo se oferece à poesia!
mesmo o princípio mortal da manhã , esse oceano
onde se fundem os refluxos da evocação de um adeus:
- a neblina convulsiva, a purificada cinza nos teus lábios, nos meus.

mariagomes
24nov.08

sexta-feira, novembro 21, 2008


até à sensibilidade solar, terei os olhos leves do gorjear das aves,
a voz do litoral , o sequioso beijo de uma glicínia;
e tudo o que se fizer incólume,
como a luz de um areal
nas vogais da noite,
ou na quietude dos passos inacabados da poesia.


mariagomes
nov, 2008


quarta-feira, novembro 19, 2008

Photobucket




[...] " quem não sonhar está morto. O mundo como ele hoje é, não vale nada. É preciso que ele seja conforme o conceber da nossa fantasia, criadora de beleza. Este antagonismo entre o mundo e a alma humana seria incompreensível se não víssemos nele a própria razão da nossa actividade moral: o aperfeiçoamento das cousas, a sua disposição em marcha para um fim divino. O homem é o único animal que não coincide com o mundo;e seu destino é dilatar o mundo até onde chega a fantasia, até ao céu. O mundo é céu materializado e condensado, para que as patas dos animais encontrem um ponto de apoio no Infinito, como encontraram refúgio na Arca de Noé."[...]

Teixeira de Pascoaes
in " S.Paulo"

edição Assírio& Alvim



dorme, junto a mim, um sonho entretecido
para que o poema principie
e seja a messe, a sombra, a floração, a prece,
o respigar das mãos.

mariagomes
19,nov, 2008


terça-feira, novembro 11, 2008

na captura do sul

meu pai




( a meu pai, em memória)


eu enunciei as aves
nas margens compulsivamente dadas à terra,
em suas entranhas,
nas mãos que partiam dos rios
por coisas de somenos importância…

e tu, na captura do sul, num odorífico deserto
falaste-me de amor, de libertação.

mariagomes
Angola, 11 de Novembro de 2008


quinta-feira, novembro 06, 2008


aonde estou quero a renúncia urdida pela água
que deriva dia a dia
quero as sombras perdidas
os afectos
quero os pássaros de coração aberto
e o mar que nunca vi
agrilhoado a meus dedos
onda a onda
o trigo!
-um oloroso trigo que cresce como se possuíssemos o fogo.

mariagomes

nov,2008


segunda-feira, novembro 03, 2008



[...]
My God, what is a heart?
Silver, or gold, or precious stone,
Or starre, or rainbow, or a part
Of all these things, or all of them in one?
(Mattens)

[...]

Meu Deus, o que é um coração?
Prata, ou ouro, ou pedra preciosa,
Ou estrela, ou arco-íris, ou parte
De todas estas coisas, ou todas numa só?


George Herbert

sábado, outubro 25, 2008

quinta-feira, outubro 23, 2008



por que me procuras nas lágrimas do sol?
em si, ele é o novíssimo meneio da saudade
- sem remos a envelhecer os rumos.

por que me deixas, só, entregue a seus cuidados,
sem cais, sem ver partir as velas?


mariagomes
23out.2008

quarta-feira, outubro 22, 2008



[...]
Muito, ó Poeta, o engenho pode dar-te.
Mas muito mais que o engenho, o tempo, e estudo;
Não queiras de ti logo contentar-te.
É necessário ser um tempo mudo!
Ouvir, e ler somente: que aproveita
Sem armas, com fervor cometer tudo?
Caminha por aqui. Esta é a direita

Estrada dos que sobem ao alto monte
Ao brando Apolo, ás nove irmãs aceita.
Do bom escrever, saber primeiro é fonte.
Enriquece a memória de doutrina
Do que um cante, outro ensine, outro te conte.

[...]

António Ferreira

Carta a Diogo Bernardes
in Textos Literários do século XVI

“ A Corrente clássica e italianizante:
o magistério literário de António Ferreira"
1. Concepção aristocrática da Arte e dignidade das Letras
Editorial Aster




terça-feira, outubro 21, 2008



acredito nos pássaros, em todas as manhãs,
no sexo das árvores,
no colóquio das harpas de seu corpo nu.

pelo moroso fio de Penélope a minha voz
é fiel ao encanto que carmina o azul.


mariagomes
out,2008


sexta-feira, outubro 17, 2008


deve ter sido o amor mais puro, numa outra primavera.
- assim pensei, a ouvir as ondas no seu ritmo terrestre.

em tudo houve uma forma evidente, um verde,
uma paisagem esdrúxula
onde se ajusta o silêncio, em filigrana,
ao despojado luar libidinal.

mariagomes
out.2008



terça-feira, outubro 14, 2008



A arte é a mão direita da natureza. Esta nos deu o ser, mas a primeira - tornou-nos homens.

Johann Christoph Friedrich von Schiller
[1759/1805]


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Acerca de mim

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Podes entrar ; tenho as mãos para dizer o disperso canto das águas. Os meus olhos, alagados pelo grito das árvores, são lúcidos ao início do sol. Com o amor das coisas, rejubilo e lanço os braços a um rodopio doce e futuro, a uma tempestade humana. Tudo o que eu espero é sentir o elo da criação que se move, entre mim e ti, e a claridade. ____________mariagomes
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