domingo, outubro 09, 2005

Esta Mudança De Mor Espanto


Ta Muda Tenpu

Ta muda tenpu, ta muda vontadi,
Ta muda ser, ta muda konfiansa;
Tudu mundu é fetu di mudansa,
Ta toma senpri nobus kolidadi.

Sen nunka pára nu ta odja nobidadi,
Diferenti na tudu di speransa;
Máguas di mal ta fika na lenbransa,
Y di ben, si izisti algun, ta fika sodadi.

Tenpu ta kubri txon di berdi manta,
Ki di nébi friu dja steve kubertu,
Y, na mi, ta bira txoru u-ki n kantaba

Ku dosura.Y, trandu es muda sen konta,
Otu mudansa ta kontise ku más spantu,
Ki dja ka ta mudadu sima kustumaba.

Luís Vaz de Camões

tradução para crioulo de Cabo Verde é de José Luís Tavares

sábado, outubro 08, 2005

Nâzim Hikmet :20.01.1902/ 03.06.1963 ( Turquia)

Os cantos dos homens são mais belos que os homens,
mais densos de esperança,
mais tristes,
com uma vida mais longa.

Mais do que os homens eu amei os seus cantos.
Consegui viver sem os homens
nunca sem os cantos;

aconteceu-me ser fiel
à minha bem amada
mas nunca ao canto que para ela cantei:
nunca também os cantos me enganaram.

Qualquer que fosse a sua língua
sempre compreendi os cantos.

Neste mundo,
de tudo o que pude beber e comer
de todos os países por onde andei,
de tudo o que pude ver e ouvir,
de tudo o que pude tocar e compreender
nada, nada
conseguiu fazer-me tão feliz como os cantos...


20 de Setembro de 1960

Nâzim Hikmet


in " Poemas da prisão e do exílio"
editora & etc
Tradução de Rui Caeiro

segunda-feira, outubro 03, 2005

na existência pura

quero fotografar o poema na existência pura,
levantar a delicada forma da carne, da imagem ao nervo,

a morte que transcende a constelação
de um precoce outono perdido na folha onde escrevo.

ah se tu soubesses
como é redonda a levedura que me sela o gesto.

mariagomes
3out.2005

António Maria Lisboa*


(fotografia de mariagomes)

in " A Phala, Um século De Poesia"( 1888-1988)
edição Assírio & Alvim



*António Maria Lisboa (1928-1953) nasceu e faleceu em Lisboa. Foi um dos introdutores do surrealismo em Portugal, tendo colaborado nas sessões do JUBA e nas exposições do Grupo Surrealista Dissidente. Escreveu Erro Próprio (1950), o principal manifesto do surrealismo português, e foi redactor de Afixação Proibida em colaboração com Mário Cesariny de Vasconcelos.
Obras: Ossóptico (Lisboa, 1952), Isso Ontem Único (Lisboa, 1953), A Verticalidade e a Chave (Lisboa, 1956), Exercício sobre o Sono e a Vigília de Alfred Jarry seguido de O Senhor Cágado e o Menino (Lisboa, 1958), Poesia (Lisboa, 1977; 2ª ed., Lisboa 1995).

domingo, outubro 02, 2005

de um coágulo

não saias. vou contar-te uma história pequenina;
uma vez , alguém, apertava a intimidade.
trazia pela mão a noite,
como rendimento o coração determinado.

pai, uma vez, uma ilha oferecia a vida,
vastíssima têmpera de um coágulo.


marigomes
2.out.2005

sexta-feira, setembro 23, 2005

tão completa


tão completa quanto esta manhã,
é a lua cerzida pela sombra

aos olhos abertos da calçada,
a minúcia da meditação,


ou o teu rosto em triângulo
ou agosto que deflagrou.

mariagomes
23set.2005

quarta-feira, setembro 21, 2005

a Sofia e uma resposta...


A Sofia*, hoje, disse-me:

- "Avó, eu tenho uma resposta de prendas: o dinheiro."

( *Sofia Gomes, 3 anos de idade)

mariagomes
20Set.2005

segunda-feira, setembro 19, 2005

Hiroshi Watanabe


(fotografia de Hiroshi Watanabe)

à sensação do voo

todas as pedras se foram.
agora, um cântico coage, imaculado, à sensação do voo.

passo por escadas infindas,
emudeço os ramos dos negros céus do jugo.
juro
que o sangue do meu coração absorve a face das espigas.
juro
que tomo a tua boca, anónima,
quando se incendeia a membrana do vento brando.

todas as pedras se foram,
pela manhã tombada,
em silos púberes, silenciosamente belos, que interpelam.


mariagomes
16 Agosto/Set.2005

nesta madrugada

nesta madrugada de coisas impossíveis,
crê nas palavras.
há palavras que têm o teu nome
na quietude das tâmaras.

como provisão solar, viajo entre o amor e o mar,
e o cerco

que serve um ateneu de mãos raras.

mariagomes
18agosto/set.2005

domingo, setembro 18, 2005

ARTE

"A Arte nasce de constrangimento, vive de luta e morre de liberdade"

André Gide

(fotografia de Augusto Mota)



"Pensamento outonal:

Ainda que só por dentro, as pessoas, como as folhas das árvores,
deviam poder ficar cada dia mais bonitas
antes de cairem por terra."

Augusto Mota
14.09.2005



AUGUSTO MOTA nasceu em Ortigosa, Leiria, em 1936. Licenciado em Filologia Germânica. Foi professor da Escola Industrial e Comercial de Leiria / Escola Secundária Domingos Sequeira, de 1959 a 1996.
Trabalhou em desenho, pintura, mosaico, gravura e publicidade. É autor de diversas capas de livros, assim como de ilustrações para livros de poesia. Fez maquetas e cenários para grupos de teatro de amadores. Executou painéis decorativos de grandes dimensões para estabelecimentos comerciais de Leiria, sendo ainda autor de muitos logotipos de empresas e associações desta região.
Na década de 60 colaborou activamente, com textos e ilustrações, no movimento cultural dos suplementos e páginas literárias da imprensa regional.
Com o seu filme Variações sobre o mesmo traço, pintado e desenhado directamente sobre película de 8mm, obteve em festivais de cinema de amadores, na sua categoria, três primeiros prémios: Figueira da Foz 1963. Rio Maior 1963, Guimarães 1966, além de uma medalha de honra em Andorra, em 1966.
Em 1959 publicou em Coimbra, em edição de autor, o caderno de prosa Quadriculado. É o autor dos textos das bandas desenhadas Wanya, escala em Orongo (desenho de Nelson Dias / edição Assírio & Alvim, Lisboa, 1973) e Copra, a flor da memória (desenho de Nelson Dias, fanzine “Copra”, nº 3, Coimbra, 1974). Está representado na antologia Hiroxima (Nova Realidade, Tomar, 1967) e em Juntos por Lorosae (Jorlis, Leiria, 1999).
Tem vindo a colaborar, com textos curtos, na revista Rodapé da Biblioteca Municipal de Beja, tendo inéditos os seguintes escritos: Metáfora, (1962), O Artifício da Loucura (1964), A Geografia do Prazer (2000) e Sujeito Indeterminado – breviário de textos brevíssimos (2003)
Em 1988, no dia da cidade, a Câmara Municipal de Leiria atribuiu-lhe o Galardão do Município “pela sua valiosa e multifacetada obra artística e cultural”.



exposições mais recentes:


Colectiva de Artistas de Leiria, Galeria 57, Leiria, 1998
Colectiva de Artistas de Leiria “Ars Multiplicata”, Rheine, Alemanha, 1999
Colectiva de Artistas de Leiria “Ars Multiplicata”, Leiria, 2000
Individual, “Quadras & Quadros”, 2ª Festa do Livro, Beja, 2001
Individual, “Quadras & Quadros”, Confraria do Pão, Monte das Galegas, Terena, 2001
Individual, “Quadras & Quadros”, Museu Municipal de Estremoz, 2001
Colectiva internacional “25 anos do Cinanima”, Centro Multimeios, Espinho, 2001
Individual, “Quadras & Quadros”, Galeria da Biblioteca Municipal de Redondo, 2003
Individual, “Quadras & Quadros”, Galeria da Livraria Arquivo, Leiria, 2003
Individual, “Quadras & Quadros”, SAAL 2004, Cortes, Leiria, 2004
Individual, “46 Fotopoemas” , Escola Superior de Educação de Leiria, Fev. 2005

sábado, setembro 17, 2005

tudo se concentra

( a meu pai)


descanso, enfim, na mão a infância longa,

para que o ar nos traga um norte
de claridade cálida,
no espanto.
eu tenho ainda o mármore assinalando

letras de marfim eleitas;
vejo animais à solta,
até os mares alcançam marinheiros,
catapultam-se no céu estrelas suspeitas.
e tudo é tão enorme!

em tudo bate um coração, tudo se concentra.

mariagomes
17 de Set.2005

quinta-feira, setembro 15, 2005

por fim...


por fim,
a dificuldade de entender visivelmente setembro
na desordem dos dedos livres.

na silhueta de tocadores estendida sobre a mesa de alaúdes
não vale a pena os pássaros deporem,


a sul também o corpo vive!


mariagomes
15 Set.2005

quarta-feira, setembro 14, 2005

....
"Seja o que for que vos venham a dizer, uma coisa é indiscutível: a escrita só existe a partir do sentir. E se estão a usar palavras, também têm de usar pensamentos e imagens dado que as palavras são feitas de pensamentos e de imagens. Se estivessem a escrever música, usariam notas e instrumentos. Se estivessem a pintar um quadro usariam uma tela ou papel. Mas todas estas coisas só adquirem vida se forem impulsionadas pelo sentir, um sentir que, neste caso, vem de dentro de vós e que, podem estar certos, nunca se esgotará. Quanto mais o procurarem, mais o acharão."
(...)

Ted Hughes
in " O Fazer da Poesia"

tradução de Helder Moura Pereira
edição Assírio & Alvim
pag. 138

(fotografia de Augusto Mota)


"Os dias deviam começar sempre assim, a transbordar de uma suave religiosidade panteísta!"

Augusto Mota
13 Set. 2005

terça-feira, setembro 13, 2005

falo de jardins

falo de jardins.
resvalo por te querer, flor verde do meu seio.

sem caminho,
levanto a aurora com um arado,

colho câmaras de sede que hão-de vir.

preciso da tua eternidade
da noite meia,
dessa contínua canção que me descobre

quando digo que
- hoje irá anoitecer.

mariagomes
13 Set.2005

sexta-feira, setembro 09, 2005

oh meu amor, gotejam corredores gelados,
senta-se o destino da chuva
a delinear a humanidade de ninguém.

mariagomes
9set.2005

Orazio Centaro


"Greek Tragedy,I" fotografia de Orazio Centaro

quinta-feira, setembro 08, 2005

a rua respira

a rua respira de um amarelo minúsculo,
nos dedos a poesia gasta-se.
com algemas nasceu uma rosa corroendo a paisagem,
e é setembro.
chegaram os sopros pungentes da iluminação.

certamente vestirei um acto inútil,
perderei do sentido a noção.

ouve-me,
ainda que as esferas no meu sangue se esbarrem, o vento
continua a empurrar as aves
que conduzem trenós, e a ternura é veloz.

mariagomes
7 de Set.2005

sábado, setembro 03, 2005

o amor

todo o deserto cabe na boca.

os levantes vêm do fim.

é assim o amor, ondulação lírica
na língua
inexplicável do fogo.

um roubo.

mariagomes
3set.2005

sexta-feira, setembro 02, 2005




"a Poesia é a confissão sincera do Pensamento mais íntimo de uma idade"


Antero de Quental


(In Prosas I, p.306, Coimbra, Imprensa da Universidade)

*Antero de Quental (1842-1891) nasceu em Ponta Delgada, Açores. Frequentou a Universidade de Coimbra, tendo passado depois algum tempo em Paris. Viajou pelos Estados Unidos e Canadá, fixando-se em Lisboa. Pertenceu à à chamada Geração de Setenta, grupo que pretendia renovar a mentalidade portuguesa, e participou nas Conferências do Casino. Foi amigo, entre outros, de Eça de Queirós e Oliveira Martins. Atacado por uma doença do foro psiquiátrico, regressa aos Açores onde se suicida. As suas obras vão da poesia à reflexão filosófica: Raios de Extinta Luz, Odes Modernas, Primaveras Românticas, Sonetos, Prosas e Cartas.






terça-feira, agosto 30, 2005

inquietação

mostra à terra a lonjura que te surpreende.
há nisto tudo uma inquietação como se a morte viesse vestida.
vê pela palavra. a palavra sabe o que é amar
e no entanto
tenta a solidão das cinzas.

mariagomes
30agosto2005

domingo, agosto 21, 2005

Daniel Faria





"Socorre-me, devolve-me a leveza
Da tão primeira nuvem que avistares."

Daniel Faria

in" Explicação das Árvores e de outros animais"
edição Fundação Manuel Leão
pág.58

sábado, agosto 13, 2005

existir


@fotografia de Fernando Costa ( Maputo), "Kruger National Park, S.A."


pela idêntica razão de existir
os pássaros caminham sobre a voz dos búzios.


mariagomes
agosto.2005

de um sopro


fotografia de Fernando Costa ( Maputo) " Kruger National Park, S.A."




as naus entardecem de um sopro ébrio.
e eu sonho, órfã,

com o pão da seriedade,
com a luz do sol
que conforta
e se afunda convalescente.

encontrarei a paz neste tumulto
a esvair-se
por um ministério.

mariagomes
agosto.2005

sexta-feira, agosto 12, 2005

é feio receber e não retribuir!
No último post esqueci-me de deixar o meu beijinho de agradecimento ao meu irmão de Maputo, Fernando Costa, pela fotografia. Ou pelas fotografias, porque ele enviou, quase, um album. Irei seleccioná-las e publicá-las, são belíssimas e falam de África.

Muito obrigada, pelo brilho que vieste dar à Romã.

mariagomes

Kruger National Park, África do Sul


@fotografia de Fernando Costa ( Maputo)

quarta-feira, agosto 10, 2005

com amor


com amor deram-me o sol.
em jorro,

a viagem que ilibava a janela.

era o crepúsculo,
alterno à capela, de um riso fundo.

mariagomes
agosto.2005

terça-feira, agosto 09, 2005

A poesia... de Torquato da Luz


A poesia não é um código secreto
acessível apenas a alguns
nem uma sucessão de palavras
ininteligível pelo próprio autor.

A poesia é uma tentativa
de entender a vida.

(2005)

Torquato da Luz

segunda-feira, agosto 08, 2005

a dor antiga

ardem-me as mãos;
voltou a dor antiga, a que definia a fronteira.
sei que trago a pétala que se estiola,
ponta a ponta,
e que a poesia padece.

converto-me numa frente,
arquejante,
como a vela que, em junho, acendeste a nossa senhora.

era, ainda, a infância.
eu morria, matinal, só com a minha sede,
perseguindo a paz de abraçar vendavais.


ardem-me as mãos, mãe!

mariagomes
agosto.2005

domingo, agosto 07, 2005

Silêncio Que Estão Dormindo Os Lagos E As Açucenas

Adeus Ibrahim...





"Hoy siento gran emoción
Voy a cantarle a mi tierra
A esa famosa región
llamada "perla sureña"

...

"Cienfuegos, yo a ti te llevo
metido en mi corazón, "
...

Ibrahim Ferrer
excerto de "Cienfuegos, Tiene Su Guaguancóby "

quando as gaivotas cantam

quando as gaivotas cantam
o dorso, a um céu aberto

tu perguntas: acendem-se ofertas?

abrigo os braços

num grito insondável
no azul
no teu sexo

quando as gaivotas cantam

é como se nada mais houvesse.

mariagomes
agosto.2005

sexta-feira, agosto 05, 2005

O sol do incêndio


Coimbra, 5 de Agosto, 17 e 50

o que andamos a fazer?


Coimbra, 5 de Agosto, 16 e 58


O horizonte ainda é verde, só que coberto de fumo.
mariagomes

Meu Deus, o que foi que nós fizémos?



...

"Meu Deus, o que foi que nós fizemos?"
'Eram 8h 16min 8s. do dia 6 de agosto de 1945. A interrogação foi a primeira reação de um dos tripulantes do Enola Gay, após presenciar a devastação produzida pela primeira bomba atômica jogada sobre uma cidade povoada.Enola Gay foi o nome dado ao avião norte-americano B-29 pelo seu comandante em homenagem à própria mãe. A cidade era Hiroxima, no Japão, que desapareceu em baixo de uma nuvem em forma de cogumelo. As notícias sobre a cidade eram desencontradas, e ninguém sabia exatamente o que ocorrera. No dia 9 outra bomba atômica foi lançada sobre a cidade de Nagasaki. Os norte-americanos haviam treinado durante meses uma esquadrilha de B-29 para um ataque especial. Nos aviões, quase ninguém sabia o que transportava.Morreram cerca de 100 mil pessoas em Hiroxima e 80 mil em Nagasaki. As vítimas eram civis, cidadãos comuns, já que nenhuma das duas cidades era alvo militar muito importante. O cenário histórico dessa tragédia que permanece até hoje na memória de milhares de japoneses era a guerra no Pacífico, entre Japão e Estados Unidos no contexto do término da Segunda Guerra Mundial.'
....

quinta-feira, agosto 04, 2005

por favor,
dá-me uma lei, uma flor nas avenidas de vénus,
ou o planeta onde escorro como se erguesse o inferno.

pela primeira vez, o azul sibila certeiro.

mariagomes
4 de agosto,2005, 22 h e 45

quarta-feira, agosto 03, 2005

a mesa posta

diz em que país flutua a mesa posta.
a primavera é pequena, imóvel.

nasce para sul à natureza,
espessa,

para uma pausa.

diz que palavras irrompem de catedrais,
porque a arte é autobiográfica

confessa a dualidade do rio onde mergulham facas e beleza.

mariagomes
agosto.2005

terça-feira, agosto 02, 2005

DESCRIÇÃO DE POETA




"O poema é o acto social de uma pessoa solitária".


William Butler Yeats ( 1865-1939)

corpo a corpo

perco as pérolas e o encarnado pede-me o que não tenho.
o sol do regresso a sombra acocorada
o princípio subversivo da chuva
e as minhas mãos que se cravaram no nada.

corpo a corpo arranco os espelhos que ficaram à espera.

mariagomes
agosto.2005

domingo, julho 31, 2005

esta lua

esta lua é uma criança,
e ninguém sabe que enlaça o poema dos verdes ramos.
esta lua é uma graça, à distância estremece

ao ser de sábia mão.
esta lua é um redondo manifesto.

o meu barco, de repente, balança, em silêncio, em fúria;
esta lua insinua.

mariagomes
julh.2005

fotografia de Ansel Adams in art.transindex.ro

sábado, julho 30, 2005

sem ambição

combino formas sem ambição infinita
cai uma frente o futuro uma chuva que avança
para um refúgio de horas que se quebram nos quadris.

há uma claridade audaz que me cega
há um abismo doente de alegria
a infância que vê o mar sempre assim iluminado.

ó deserto impassível ó água corrente e castanha ó rio feliz
abre o meu coração como se a morte fosse uma taça
com feitio de coisas feitas pelo oceano.

o meu coração está mais calmo bate como espírito incriado.


mariagomes
julho.2005

quinta-feira, julho 28, 2005

( sem título)

perdi-me num requesto secular...
perdi-me no perfil de um poente,
e as amoras amadurecem.

o que escrevo é nada, enquanto os luares correm.
há uma dilatação a urdir a fábula, e o ébano.

meu amor, deixa que seja minha a anuência da música.
a música é uma ínsua no tempo.

mariagomes
julho.2005

quarta-feira, julho 27, 2005



....

"Digo no meu escandir privado:
já alcancei a membrana da romã
fruto áfrico neste patamar sagrado
onde o repouso cala o grito da manhã."
....

Heliodoro Baptista


excerto do poema "história irrasurável"
in " Nos Joelhos do Silêncio"
editorial caminho, 2005

ante a margem

até esse amor ficou,
preciso de acordar as pedras do sol.
só depois partirei comigo,
como eu sou,
na delonga do mar
interior

ante a margem e um equívoco.

mariagomes
julho.2005

terça-feira, julho 26, 2005

e.e.cummings

"...citarei muito brevemente um livro maravilhoso, com o qual me familiarizei pela primeira vez através de uma amiga maravilhosa chamada Hildegarde Watson - um livro cujo título em português é Cartas A Um Jovem Poeta, e cujo autor é o poeta alemão Rainer Maria Rilke:

'As obras de arte são de uma solidão infinita e nada nos toca tão pouco como a crítica. Apenas o amor as pode alcançar e deter e julgar equitativamente.'

Na minha orgulhosa e modesta opinião, estas duas frases valem toda a soi-disant crítica das artes que já existiu ou que algum dia existirá. Discordem delas tanto quanto quiserem, mas nunca as esqueçam; porque se as esquecerem terão esquecido o mistério que vocês têm sido, o mistério que serão, e o mistério que agora são-

tantos seres ( tantos demónios e deuses
cada qual mais ganancioso de que todos) é um homem
( tão facilmente um em outro se esconde;
e não pode o homem, sendo todos, fugir a nenhum)

tão vasto tumulto é o mais simples desejo:
tão impiedoso massacre a esperança
mais inocente ( tão profunda é a mente da carne
e tão desperto o que o acordar chama dormir)

assim nunca está mais sozinho o homem só
( o seu mais breve respirar vive o ano de algum planeta,
a sua mais longa vida é a pulsação de algum sol;
a sua menor imobilidade percorre a mais jovem estrela)

- como pode um louco que a si próprio se chama " Eu" supor
que entende um não numerável quem? "

....

E.E. Cummings
in " eu seis inconferências"
edição assírio e alvim

no comments

domingo, julho 24, 2005

imaginário

são minhas as águas que se calam,
é meu o poema perdido, e uns girassóis,

e esta ânsia
devoluta no silêncio que poderia ter nascido.

nada mais tenho, oh lago imaginário.

mariagomes
24julho2005

sexta-feira, julho 22, 2005

" Memória"


(@ fotografia de mariagomes)



De todos os cilícios, um, apenas,
Me foi grato sofrer:
Cinquenta anos de desassossego
A ver correr,
Serenas,
As águas do Mondego.

Coimbra, 1 de Novembro de 1983

Miguel Torga

quinta-feira, julho 21, 2005


Rua Ferreira Borges, Coimbra, 21 de Julho de 2005 @mariagomes

Mia Couto

“Eis a diferença:
Os que antes morriam de fome
Passaram a morrer por falta de comida.”


( taberneiro Tuzébio)

Mia Couto

in “ Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra”

Editorial caminho

quarta-feira, julho 20, 2005

A Morte do Valente

Mamava no verde das tetas de coqueiros,
e no regaço de areias amadas pelo vento,
gostava de brincar com pedras fixas
sem medo, batidas pelo mar.

Um dia descobriu outra identidade;
nome: Valente
filho de: Vontades
idade: Militar

E marchou.

Tanto marchou que, num voo desventrou a terra,
qual ave ferida caiu na cratera da vida.
Ficou-lhe a bater o coração, e à cintura
um coágulo de revólver figurado...

Circulou num andar de ruínas pelas ruas,
lambeu o lixo de muitas vaidades.
Com raiva engolida no tempero da fome
consultou o mercado trocado de valores:
- uma galinha valia mais do que a pólvora!
num gesto herdado de pensar ao vento,
acariciou a cintura...
Logo, de todos os quadrantes partiram balas...
O mundo armado no medo da verdade
atingiu um astro na sua idoneidade.


mariagomes
dezembro, 2002

Sebastião Salgado



"Refugee From Gondan, Mali 1985 "

terça-feira, julho 19, 2005

OBJETIVO




"Os verdadeiros versos não são para embalar, mas para abalar"

Mário Quintana





gradualmente



despir os olhos gradualmente à emoção dos regatos
algo visto intocável
é esse manto de cambraia

o azul da carne
a cintura
no prolongamento de um vulto que sustenta a luxúria.


mariagomes
julh.2005

domingo, julho 17, 2005

" Regatas em Argenteiul"






"...a primeira impressão a que somos sensíveis, nunca deve ser perdida"...

Claude Monet

( a enrique granados)

hoje, não há rosas em casa.
há a consagração vermelha de guitarras
e o navio
saindo das profundezas
com muitas partituras de paris
tocadas,
em valsa, por monet.

mariagomes
julho2005

sexta-feira, julho 15, 2005

difícil aventura

vem comigo fazer a tal viagem.
a poesia foi pensada
na funda, difícil, aventura de filtrar o que somos.
oferece-me um rio,
o outro lado
do trigo que sobrou da eternidade.

mariagomes
julho.2005

quinta-feira, julho 14, 2005

a pergunta de Sofia...

A Sofia* apontou o dedo para um livro, e fez-me a seguinte pergunta : "de quem é essa palavra?"

Hoje, aprendi com a minha neta que a palavra é um livro.


mariagomes



( * com 2 anos e 10 meses)

artCanal



"Vênus" de Zamboni
téc: mista - 80x100- ano 2000

terça-feira, julho 12, 2005

a obsessão

porque me espreita de um piano
a nota solta
minúscula iniciando o mundo

porque é breve a obsessão
e o litoral vai

para uma ilha onde se altiva

porque o milagre é absoluto
de animais que afiam as miragens

porque na música há palavras
eu posso escrever
meu amor.


mariagomes
julho.2005

sábado, julho 09, 2005

e os milhafres

e os milhafres que me ardem na mão,
o cacto, a cor do exílio delirante,
tudo isso exacto em claves e claustros

repartidos pelos dedos de um poente marítimo
a acontecer nos meus deuses, quando ainda havia deuses

qu’ eu podia amar,

o que deles faço?

mariagomes
9 de julho.2005

sexta-feira, julho 08, 2005

Paulo Leminski




ODE À POESIA


"Parem, eu confesso, sou poeta. Cada manhã que nasce me nasce uma rosa na face. Parem, eu confesso, sou poeta. Só meu amor é meu deus, eu sou o seu profeta".

Paulo Leminski ( Brasil, 1944/1989)

Pedro Oom


"Poesia não é uma medalha para por no peito dos tiranos mas uma imensa solidão feita de pedras, onde o despotismo pode encomendar o ataúde. Cada um de nós odeia o que ama. Por isso o poeta não ama a poesia que é só desespero e solidão mas acalenta ao peito as formigas da revolta e da rebeldia, que todos os déspotas querem submissas e procriadoras. Só os voluntários da miséria e da submissão patriarcal querem a poesia na arca da aliança com a tradição pacóvia e regionalista dos pretéritos dias, glórias patrioteiras, heroicidades frustes, pirataria ignara.Todo o verdadeiro poeta despreza o pequeno monte de esterco onde o dejectaram no planeta e a que os outros chamam pátria, e só ama os grandes continentes mares e oceanos da liberdade e do amor. Só nos vastos espaços incriados a poesia serve o seu destino – catapultar o homem nos abismos do desejo incontrolado onde o próprio assassinato é um acto de poesia e de amor. Este assassinato de que falo é o grande amplexo de homem para homem a solidariedade e a ternura, não a caridade hipócrita ou a cama de família, com todo o seu pequeno cortejo de horrores, onde a exploração do filho pelo pai dita a sua lei."

[Pedro Oom, Poema, in Grifo 1968 (?)]


*Pedro dos Santos Oom do Vale (1926 - 1974) foi um escritor surrealista português, que fez parte do Grupo Surrealista Dissidente, juntamente com nomes como Mário Cesariny e Alexandre O'Neill.

quinta-feira, julho 07, 2005

EU QUERO QUE AS FLORES SE PONHAM

EU QUERO QUE AS FLORES SE PONHAM SEMPRE COMO AMENDOEIRAS
BRANCAS BRANCAS BRANCAS
ÀS VEZES ESTOU NUM VERSO E EXPLODEM BOMBAS
ENTRA UM VENTO REFLECTIDO COMO AREIA QUE PROCURA OPOR-SE
E EU VEJO AS COISAS QUE ELE OFERECE
ELE TECE UM CÍRCULO UM MOVIMENTO O SANGUE
INCÓGNITO DA CEGUEIRA ONDE UM VERÃO SE ESCONDE
EU QUERO QUE AS FLORES SE PONHAM SEMPRE LONGE DA VISÃO DO FOGO
EU QUERO AS FLORES SE PONHAM.

mariagomes
7 julho.2005

Marc Chagall




só é meu
o país que trago dentro da alma.
entro nele sem passaporte
como em minha casa.
ele vê a minha tristeza
e a minha solidão.
me acalanta.
me cobre com uma pedra perfumada.
dentro de mim florescem jardins.
minhas flores são inventadas.
as ruas me pertencem
mas não há casas nas ruas.
as casas foram destruídas desde a minha infância.
os seus habitantes vagueiam no espaço
à procura de um lar.
instalam-se em minha alma.
eis por que sorrio
quando mal brilha o meu sol.
ou choro como uma chuva leve
na noite.
houve tempo em que eu tinha duas cabeças.
houve tempo em que essas duas caras
se cobriam de um orvalho amoroso.
se fundiam como o perfume de uma rosa.
hoje em dia me parece
que até quando recuo
estou avançando
para uma alta portada
atrás da qual se estendem altas muralhas
onde dormem trovões extintos
e relâmpagos partidos.
só é meu
o mundo que trago dentro da alma.

Marc Chagall*

(tradução: manuel bandeira)

*Marc Chagall nasceu em 1887 na Rússia Czarista. Filho mais velho de uma família pobre, educou-se em um ambiente de perseguição aos judeus. Em 1910, mudou-se para Paris, onde viveu até 1914 e onde teve contato com as sucessivas vanguardas do mundo das artes plásticas.Inicialmente aceito pelo regime soviético, em 1922 afastou-se dele e regressou para a França. Durante a Segunda Guerra Mundial viveu nos Estados Unidos. Múltiplo artista, cultivou, além da pintura, a cenografia, os vitrais, os mosaicos, etc. O seu mundo pictórico desligou-se em certo modo das vanguardas e tornou-se profundamente pessoal, contendo elementos cubistas e surrealistas, assim como símbolos judaicos e russos. O caráter onírico, a variedade cromática, um aparente infantilismo e a facilidade decorativa repetem-se incessantemente na sua pintura. Reconhecido como um dos principais pintores do século XX, Marc Chagall morreu em 1985, na França.

segunda-feira, julho 04, 2005

pergunta ao renascer

cantar sem a nostalgia,
porque sempre vai à frente
o sol da madrugada.

vento livre de verso humano,
na tua mão traçada,
pergunta ao renascer
:
poderá um critério,
cantar, cantar a forma,
viver em poesia, carne do teu ser?

(que poderá a memória?)



mariagomes
4 julho.2005

domingo, julho 03, 2005

Mia Couto



"Dizem que os poetas sabem, sentindo. Distinguem-se dos homens da ciência porque estes estão credenciados por um saber contabilizável. Mas não há fronteira entre sentir e raciocinar. Persiste em todo o acto de sabedoria um diálogo secreto entre coisas e seres."
....

Mia Couto
excerto do prefácio de " os joelhos do silêncio"
de Heliodoro Baptista
editorial caminho

Ave Solitária / Manuel C. Amor




À Maria Gomes

"Separados fomos por cítaras e canto
Como outros por prisões ou por espadas
"

(Sophia Mello Breyner Andresen)


Ave solitária voando sobre o mar
arrancando o corpo às tempestades.

Vieste do tempo
em que tudo nasce e tudo morre.
Assistes a esta nossa vida
longe da terra combalida.

Nenhuma nostalgia
matará as palavras
com que fazes os versos.


Manuel C. Amor

Julho 2005.

em Escritas

O céu contra os eclipses / Maria do Sameiro Barroso


(fotografia de "a rota dos ventos")


Rosas de um deserto vermelho, num tempo de morrer,
pela primavera, como os reis solares,
para exercitar a beleza, a criação,
o céu contra os eclipses adormecendo na turbulência lírica
dos dias, os meses passando suavemente.
Ontem Giuseppe Sinopoli morreu, em Berlim,
a dirigir o terceiro acto da Aïda.

Debruçada sobre os desertos, pensei no Egipto
dos faraós, em Belzoni, nas primeiras escavações,
num verso de António Ramos Rosa:
— “Desertei da biografia e dos relógios”.

E as lacunas emaranharam-se para construir a súbita
vastidão, os degraus e sua beleza resoluta,
pelos instantes nocturnos onde a intensidade se revela,
o mundo transpira, em cada instante,

o esplendor da claridade estende-se, pelas esfinges
lentas, diuturnas,
sobre a água e os papiros, as pirâmides grandiosas;

Hórus, o Deus Falcão, estendendo as suas asas,
pela agilidade que se ergue
e as luas lentas aproximam-se, porque amo os desertos,
os violoncelos verdes, o ímpeto radioso
e a poesia que se consuma,


pela aventura íngreme de todos os textos.


Maria do Sameiro Barroso*

(21-IV-2001)

(In Revista Mealibra, nº 9, Viana do Castelo, Dezembro, 2001, pg. 167.)

* o meu beijinho de agradecimento à Maria do Sameiro, por este poema oferecido à romã de vidro.

sábado, julho 02, 2005

Nem tudo o que escrevo é poesia. Nem sempre "voo fora das asas" (1), escrevo todos os dias para poder tocar as teclas ou ver no papel correr a caligrafia.
Mas o poema vem quase sempre de um papel.
Se reparo que, se há traços que são inimitáveis na minha caligrafia, reparo também que há dias em que ela se apresenta com ligeiras diferenças, mais fechada ou mais aberta. Julgo que será por essas diferenças que a poesia deve entrar.


mariagomes
2julho.2005


(1) Manoel de Barros

Piazzolla é um adeus inacabado




A Silvia Chueire do blog eugeniainthemeadow, perguntou-me numa Lista de Poesia como tinha surgido o poema que escrevi sem título, e eu disse-lhe que tinha surgido da música. Alguns dos meus poemas nascem da música que me fragiliza, e Piazzolla é um dos compositores que tem esse poder. Oiço-o até à exaustão, tocado de mil maneiras, seja pela Orquestra Filarmónica de Berlim, seja pela Orquestra do Teatro de Cólon. Há variadíssimas composições, fruto da fusão cultural que lhe é característica. Quando parece que tudo foi ouvido, surge uma nova versão ( e qual delas a mais bela?!)

Piazzolla é um adeus inacabado.

Ou um poema inacabado porque, numa outra oficina, Escritas, o Xavier Zarco e o José Félix, depois, escreveram:



ninguém morre de morte natural (1)


são decepadas as árvores
no consumismo das urbes.

só uma sílaba
percebeu o desígnio da morte
fugindo com vento
numa folha velha
de fuligem.

houve cânticos
no canavial da ravina.

josé félix

(1) jorge de sena


.../...


...e converter-se-á

semeados os lábios na sede
indagarão as secretas
águas dos templos

sobre a ara
a flor vermelha

as mãos em silêncio
do frio dos joelhos colherão
as sílabas de cada
uma
das suas pétalas...

Xavier Zarco




sexta-feira, julho 01, 2005

talvez a terra se converta,
e volte co'a flor vermelha.

olha, nunca mais eu vou morrer.
piazzolla tocou, ontem, pela enésima vez.
é preferível que do campo se livre um outono, como a morte.

mariagomes
1julho.2005

quarta-feira, junho 29, 2005

em desalinho

os cabelos nasceram-me mortais e louros.

vê como adormeci à beira do monte.
onde tudo é simples,

existem lugares, em desalinho.

as palavras estão quase tristes.

mariagomes
29junho.2005

segunda-feira, junho 27, 2005

um país de cordas



venho falar-te de um país de cordas
que coincidem.
o voo guarda, na mão, o banho dos rios.
ali, o sol morre.
inicial,
o mar é a morte líquida.
zeus respira na coroação, numa acácia,
num ímpeto de sangue
de terra copiosa
de mães de muito mais.
ali, é lícita a lágrima
:
o homem
e a clareira abrem-se como caracteres que se consomem.

mariagomes
27junho.2005

domingo, junho 26, 2005

na palavra*

não falemos de ilhas,
a brevidade baloiça num rio redondo.
louco,

o inventário pertence a uma canoa de pássaros.
há tanto tempo

ou
hoje,
apenas hoje,
a preguiça presa ao sol
despontou.

de súbito, aqueceu a pedra
naquela língua
que lida

pula

pula

pula.


eu tenho na palavra uma pedra,
a língua que perdura.
há muito mar,
e os meus olhos nem azuis são.

mariagomes
26junho.2005


*ukulele ( no blogue quartzo, feldspato e mica)

sexta-feira, junho 24, 2005

onde ouvir histórias


welwitcha mirabilis, deserto do Namibe, Angola, fotografia de mariagomes



onde ouvir histórias com deus
e o deserto?
sabes, as espinheiras em declínio, exactas,
peremptoriamente
querem escolher dunas

e o esquecimento irrompe de uma chuva de claves.
deus desapareceu no deserto
a escrever versos muito verdes muito
verdes.

mariagomes
24dejunho.2005

um índice


"Avó, desliga o vento"
Sofia Gomes


nunca mais desliguei o poema do vento
porque o poema atravessa o pátio
e as palavras
a medula tem o vagar dos teus laços,
oiço-a na respiração,
como púcaros que bebi.

um índice ilumina as entranhas.

que a primavera me devolva o ouro a pupila,
de um tempo quente
uma ponte
para que, serenamente, possam
seguir-te as águas.

mariagomes
24junho, 2005

quinta-feira, junho 23, 2005



"Menina da Boina Verde"
Autor: Mily Possoz (1888 - 1967)

terça-feira, junho 21, 2005

a poesia de sofia...

"Avó, desliga o vento."

Sofia Gomes ( 2 anos e 9 meses)
coimbra, junho.2005

cantando a neve



mãe, se auréolas chegarem cantando a neve, o copo,
a colina da lua antiga e a carne, na mão,
beber da música do meu silêncio
inteira e selada, eu inflamarei as estrelas
e depois saberei de tudo;
da madrugada imperfeita em que nasci, o nome do sol
na febre... com que palavras me acordaram a esse sono.
mãe, se cada poema morrer, antes de mim
pede a Sipho Gumede(1) que os leve para Sul.
que tombe o meu corpo sobre aquele sopro todo.
e eu fique, assim eternamente,
entregue e com sentido.

mariagomes
21.junho.2005

(1) cantor sul-africano

segunda-feira, junho 20, 2005

sobre uma fotografia...



(" ao fundo ", fotografia de Carlos Peres Feio*)

há neste incêndio a felicidade,
uma luz a subir pela árvore, do lado errado.


mariagomes
20junho 2005

* em http://moinhoalto.nafoto.net/

sábado, junho 18, 2005

o que eu te queria dizer


este dia prende-se a todas as formas líquidas.
e no céu verde,
sem me aperceber,
os dedos tremem para além do desejo
que consegue tocar as tulipas.
e a comunhão é como aquela vontade de guardar mãos infinitas.
era só isto o que eu te queria dizer.


mariagomes
18junho.2005

quinta-feira, junho 16, 2005

uma alucinação



os cílios, esses, há muito que esperam. porque a cor acaba funcionária.
e eu vejo-a, tão lúcida. acordo sem medir o sussurro, a pústula. pergunto a cada
transeunte pela memória. insubstituíveis, viram a face, desfiando o sol, espiando
o
anoitecer onde muitas pedras gravitam no teu nome. houve uma alucinação contrária.

mariagomes
16.junho.2005

quarta-feira, junho 15, 2005

onde repousa a música

tive a infância efémera do feno,
aquele lugar onde repousa a música.
e a leveza difícil, no ser,
ainda arranca os braços
dos homens que se cruzam.

não se conhecem as pedras pela rua.
qualquer ave é uma pátria, qualquer palavra
lã de rosmaninho.

hoje, eu sou a cal,
rosa nocturna que se deita.
e no teu peito
os barcos e a candura, o meu caminho.


mariagomes
junho.2005

terça-feira, junho 14, 2005

( a eugénio de andrade)

um poeta morre, é infindo dizê-lo
como um pássaro que simplifica o nome.


mariagomes
14junho.2005

segunda-feira, junho 13, 2005


(desenho de Álvaro Cunhal)


"um apelo à arte que intervém na vida social (...) um apelo à liberdade, à imaginação, à fantasia, à descoberta e ao sonho."

Álvaro Cunhal
1996

Até amanhã, camarada!**





"Constitui um direito à liberdade que um artista concentre exclusivamente o seu talento e a sua criatividade na busca de novos valores formais: o da cor, do volume, da musicalidade, da linguagem. Essa atitude tem conduzido a enriquecimentos e descobertas dando vida à obra por virtude dos novos valores formais conseguidos.

Constitui também um direito à liberdade que um artista parta à descoberta de novos valores formais (da cor, do volume, da musicalidade, da linguagem) com o propósito de os tornar adequados e capazes de levar à sociedade, ao ser humano em geral, uma mensagem de alegria ou tristeza, de solidariedade ou de protesto, de sofrimento ou de revolta, em qualquer caso, como é de desejar de optimismo e de confiança no ser humano e no seu futuro."

Álvaro Cunhal

** (N. Coimbra,10 de Novembro de 1913, F. Lisboa a 13 de Junho de 2005 )

in "A Arte, o Artista e a Sociedade"
Editorial Caminho, Lisboa, 1996
(pg.20-21)

19 Janeiro de 1923 / 13 de Junho 2005




O SORRISO

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

LA SONRISA

Creo que fue la sonrisa,
la sonrisa fue quien abrió la puerta.
Era una sonrisa con mucha luz
dentro, y apetecia
entrar en ella, quitarse la ropa, quedarse
desnudo dentro de aquella sonrisa.
Correr, navergar, morir en aquella sonrisa.

LE SOURIRE

Je crois que ce fut le sourire,
le sourire, lui, qui ouvrit la porte.
C'était un sourire avec beaucoup de lumière
à l'ínterieur, il me plaisait
d'y entrer, de me dévêtir, de rester
nu à l'interieur de ce sourire.
Courir, naviguer, mourir dans ce sourire.


THE SMILE

I think it was the smile,
it was the smile who opened the door.
It was the smile with light,
much light inside, I longed to
enter it, take off my clothes, and stay,
naked there within that smile.
To run, to sail, to die within that smile."

Eugénio de Andrade

in "30 Poemas, Poemas, Poèmes, Poems"

domingo, junho 12, 2005

outrora



outrora, eu era daqui.

do rio que lambia a fonte.

e o riso
naquele dardo de sangue
pela parede esculpindo cabras
sem açoite.

havia aves,

aves típicas de noite, anónimas.

mariagomes
junho, 20005

sexta-feira, junho 10, 2005

Camões dirige-se aos seus contemporâneos




Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

Jorge de Sena

( Trinta Anos de Poesia. Lisboa, Edições 70, 1984)

quinta-feira, junho 09, 2005




"Poets are the unacknowledged legislators of the world"

"Os poetas são os legisladores não reconhecidos do mundo"

Percy Bysshe Shelley*


*nasceu em Field Place, Sussex, Inglaterra, em 4 de agosto de 1792. Descendente de rica família da aristocracia rural, demonstrou desde jovem um temperamento rebelde e inconformista. Em 1811 foi expulso da Universidade de Oxford por ter escrito um panfleto intitulado The Necessity of Atheism (A necessidade do ateísmo).
(....)
Shelley trabalhava em seu último poema, o admirável "The Triumph of Life" ("O triunfo da vida"), quando morreu afogado no golfo de Spezia, perto de Livorno, Itália, em 8 de julho de 1822, ao naufragar seu barco Ariel. Alguns de seus poemas, como "Ode to the West Wind" ("Ode ao vento oeste") e "To a Skylark" ("A uma cotovia"), situam-se hoje entre os mais famosos da língua inglesa.


(in enciclopédia britânica do Brasil, Publicações Lta)

os passos que inventei


falta-me tudo, meu amor.
os passos que inventei, a vã promessa
na livre circulação do outono.
a provável mesura de cisnes
que devagar visitam as águas.

eu fui uma cidade sumária,
uma passagem para a exaltação da raiz.

como fase alternativa,
um roteiro que empurrava flamingos

para a fatalidade do ardil.
deixei viver os móveis, a dureza soberana,
o espinho na floreira,
o lado escuro da gravidade
do corredor
em que homens e mulheres caíam sem destino.


não coleccionei agulhas, nem selos febris, nem fenómenos.
só poemas, que morriam prematuramente a meus olhos.

mariagomes
9,junho.2005

quarta-feira, junho 08, 2005

Gracias a la vida [ Violeta Parra]*





"Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió dos luzeros e cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre, que yo amo

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
me ha dado el oído,
que en todo su ancho
traba noche y da grillos y canarios
martirios, turbinas, ladridos, chubascos
y la voz tan tierna de mi bien amado

Gracias a la vida,que me ha dado tanto
me ha dado el sonido y el abecedario
con él las palavras que pienso y declaro
madre, amigo, hermano y luz alumbrando
la ruta del alma del que estoy amando

Gracias a la vida,que me ha dado tanto
me ha dado la marcha de mis pies cansados
con ellos anduve ciudades y charcos
playas y desiertos,montañas y llanos
y la casa tuya, tu calle y tu patio

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
me dió el corazón que agita su marco
Quando miro el fruto del cerebro humano
quando miro el bueno tan lejos del malo
quando miro el fondo de tus ojos claros

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
me ha dado la risa y me ha dado el llanto
así yo distingo dicha de quebranto
los dos materiales que forman mi canto
y el canto de ustedes que es el mismo canto
y el canto de todos que es mi propio canto
Gracias a la vida."


Violeta Parra


*Gracias, Amélia Pais, muchas gracias, por este belo recuerdo que veio refrescar este 8 tão quente!...Coimbra estoira de calor.

mariagomes

" O Papel do Poeta e da Poesia no Mundo"




"enquanto a sociedade mantiver a sua rigidez e as suas múltiplas, patentes ou ocultas, formas de repressão, onde a vida não pode desenvolver-se em toda a plenitude e dignidade, a poesia deverá ser o que ela já é nos mais significativos poetas do nosso tempo: uma afirmação de dignidade e de liberdade humana".(...)
"o poeta moderno, mesmo na sua «déraison» tem razão, porque não testemunha só da anormalidade e da violência do mundo em que vivemos, ele é a afirmação, embora desprezível sob certos pontos de vista, do valor mesmo daquilo que falta aos termos sociais e que, no entanto, constituem o fundamento do homem, da condição humana".

António Ramos Rosa

(in nº22 da Revista " O Tempo e o Modo")

terça-feira, junho 07, 2005

uns chegam cansados da eternidade


Não dissocio a palavra da música. Não dissocio a música da memória porque " memória" é uma palavra muito cara que advém de um silêncio...
- silêncio que é o som que insiste, que bate em mim, interior e exteriormente
:



uns chegam cansados da eternidade.
trazem a mão agarrada
a uma pedra.
falam-me de altas pedras em quebranto.

dêem-me uma palavra.


encontrei um arquipélago
como uma cabeça de malmequeres fendidos.
avessa
como instrumento de angústia

inúmera.
dêem-me uma palavra.
sim o candelabro contínuo
porque eu quero ouvir pelo orifício d’aurora
o sepulto mar que me atravessa.


mariagomes
junho.2005




****

Oráculo


a palavra de espanto
uma flor e um sorriso
trazem telas e um canto
uma margem e um friso.

um claro sul salino
uma pedra no vento
mais um céu opalino
que é do meu sustento.

e na voz peregrina
recolhe o arquipélago
no ramo que declina.

a angústia é um orago
numa fala menina
que anuncia o pressago.

josé félix
2005.06.07



em Escritas





domingo, junho 05, 2005

Pierre Reverdy




o tinto de leite do penacho no momento em que
se agita a praça
Entre as avenidas a estrela
e as casas
Em lugar de gotas de água é o dia que cintila
e voa em volta
O monumento agita-se
A manhã levanta-se e por momentos volta a pôr-se
E quebra-se o dia
A cascata da caserna tem os seus clarins
Nas vozes do céu a que junto
a minha
Tudo é de esperar
Sob as molas que sofre
a sombra rola sem ruído ao fundo
A terra está cheia.

Pierre Reverdy * (1889-1960)
Bruits au réveil, in La Guitarre endormie, 1919


*"Reverdy contribuiu para a construcção do edifício surrealista com a sua reflexão sobre a dificuldade de conciliar o real e o mundo. Jovem, tentou fugir a este mundo, mas depois abraçou-o para melhor se fundir com a natureza e com aquilo e desvendar-lhe os mistérios. ' Ninguém meditou melhor nem soube fazer melhor sobre os meandros profundos da poesia. Nada viria a ser mais importante que as suas teses sobre a imagem poética' reconhecerá mesmo Breton, apesar das opções espirituais e do isolamento deste poeta. A poesia de Reverdy, em busca permanente revisitada, é burilada, simbólica e cheia de delicadeza. " O amor à verdade levado ao extremo na arte, nega-a e destrói. Por isso existe um misterioso limite que o espírito deve saber atingir e não ultrapassar", escreve em Le Grant de Crin ( 1927) colectânea de notas em que previne à cabeça "Notas sobre a arte, que é o homem- o homem, que é Deus, - a religião, que suspende o homem de Deus."

(in ABCedário do Surrealismo, publico.pt)

sexta-feira, junho 03, 2005

das coisas, o perfil

eu prefiro dizer, das coisas, o perfil.
inquietar a sombra, o abismo
que escorre pelos ombros húmidos da noite.
eu prefiro ter a ponte
por onde passa o pranto estupendo
dos deuses, a carne e o sangue.
enquanto falo,
há florestas que se desbastam brutalmente
inclinando o mar
e o rural; há rosas
a nascerem continuadamente, e a minha morte
coberta de rosas.
eu prefiro dizer, das coisas, o perfil.
frequentar o meu corpo em quanto calo.

mariagomes
junho.2005
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Acerca de mim

A minha foto
Podes entrar ; tenho as mãos para dizer o disperso canto das águas. Os meus olhos, alagados pelo grito das árvores, são lúcidos ao início do sol. Com o amor das coisas, rejubilo e lanço os braços a um rodopio doce e futuro, a uma tempestade humana. Tudo o que eu espero é sentir o elo da criação que se move, entre mim e ti, e a claridade. ____________mariagomes
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